Apresentação

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Publicado Decreto 2015 sobre indulto natalino

O governo publicou nesta quinta-feira (24) no "Diário Oficial da União" decreto assinado pela presidente Dilma Rousseff que concede o chamado indulto natalino, perdão a presos de todo o país que se enquadrem em critérios pré-estabelecidos pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.


Veja abaixo quais presos poderão ser beneficiados pelo indulto:
- condenados que estejam em liberdade condicional ou regime aberto, cujas penas remanescentes não sejam superiores a oito anos, se não reincidentes, e seis anos, se reincidentes, desde que tenham cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes;
- condenados a penas menores que 12 anos, que tenham cumprido um terço da pena se não reincidentes ou metade se reincidentes, e que estejam cumprindo pena no regime semiaberto ou aberto;
- condenados a até oito anos que tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes (réus primários), ou metade, se reincidentes (já tiverem outra condenação);
- condenados a até 12 anos por crime sem violência que tenha cumprido um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;
- condenados a pena maior que oito anos que tenham mais de 60 anos e tenham cumprido um terço da pena, se não reincidentes, ou metade, se reincidentes;
- condenados que tenham mais de 70 anos e tenham cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes;
- condenados que tenham cumprido ininterruptamente 15 anos de pena, se não reincidentes, ou 20 anos, se reincidentes;
- condenados a penas maiores que 8 anos que tenham filho menor de 18 anos ou com doença grave ou deficiência que tenham cumprido: um terço da pena se não reincidentes ou metade se reincidentes, no caso de homens, e um quarto da pena se não reincidentes ou um terço se reincidentes, no caso de mulheres;
- mulheres condenadas a penas menores que 8 anos, por crime sem violência, se tiver filho menor de 18 anos ou com doença grave ou deficiência e que tenham cumprido um quinto da pena, se não reincidentes, ou um quarto, se reincidentes;
- condenados a penas maiores de 12 anos, que tenham cumprido dois quintos da pena, se não reincidentes, ou três quintos, se reincidentes, e que estejam em regime aberto ou semiaberto;
- pessoas com paraplegia, tetraplegia ou cegueira, desde que as condições não sejam anteriores ao crime;
- condenados a penas substituídas por restrição de direitos desde que tenham cumprido um quarto da pena, se não reincidentes, ou um terço, se reincidentes;
- condenados que tenham sido vítima de tortura, reconhecida em decisão transitada em julgada, no persídio durante o cumprimento da pena.

sábado, 7 de novembro de 2015

Rádio comunitária pode funcionar mesmo sem concessão do poder público

Rádio comunitária pode funcionar mesmo sem concessão do poder público


A demora da administração pública em conceder a outorga de instalação e funcionamento das rádios comunitárias ofende os princípios de razoabilidade e da eficiência. Essa foi a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça que norteou a decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região ao dar provimento à apelação da Associação dos Divulgadores da Cultura da vila de Santo Antônio das Queimadas, autorizando o funcionamento de sua emissora de rádio comunitária, independentemente de concessão do poder público.
Segundo o relator da apelação, desembargador federal Lázaro Guimarães, o entendimento que tem sido adotado no STJ é que se permita o funcionamento de rádios comunitárias até a conclusão do processo administrativo. No caso da vila de Santo Antônio das Queimadas, um distrito de Jurema (PE), as montanhas que cercam a localidade, afirma a Associação dos Divulgadores da Cultura, não permitem a sintonia de nenhum serviço de radiodifusão, prejudicando o acesso da comunidade a informações.
Por isso, a associação protocolou requerimentos no Ministério das Comunicações pedindo a autorização do funcionamento de sua rádio comunitária, gerando três processos administrativos. Sem receber resposta da pasta, a entidade ajuizou ação na Justiça Federal de Pernambuco, que considerou o pedido improcedente. A associação então apelou ao TRF-5 para que fosse autorizado o funcionamento da rádio até a conclusão do processo administrativo, pedido atendido por unanimidade pelos julgadores da 4ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-5.
AC 553.658-PE
Revista Consultor Jurídico, 7 de novembro de 2015, 7h11

Presa ganha o direito a pena alternativa para cuidar de filho com câncer

PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

Presa ganha o direito a pena alternativa para cuidar de filho com câncer


Condenada a 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão por tentar levar drogas ao marido em um presídio de São Paulo, uma mãe de 23 anos teve sua prisão substituída por duas penas restritivas de direito para poder cuidar dos filhos pequenos. Um deles está com câncer.
A decisão é do juiz Rafael Carvalho de Sá Roriz, do departamento estadual de Execução Criminal de Campinas, e atende pedido do Ministério Público. Além de fixar o regime aberto para continuidade do cumprimento da pena, o julgador fixou a prestação de serviços à comunidade e a proibição de ingressar em estabelecimentos penais ou cadeias públicas por quatro anos contados a partir de sua soltura.
A decisão do magistrado considerou a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal do artigo 2º, parágrafo 1º, da Lei 8.072/1990, a Resolução 5/2012 do Senado Federal, que suspendeu a eficácia do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006, e o artigo 64 das Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade (Regras de Bangkok).
“Diante da quantidade de pena aplicada e ausente outros fundamentos na sentença exequenda para a fixação de regime diverso daquele estabelecido no artigo 33, parágrafo 2º, do Código Penal, fixo o regime aberto para a continuidade da execução. Por via de consequência, diante da Resolução 05/2012 do Senado Federal e com fundamento nos artigos 66, V, c, e 180 da Lei de Execução Penal, considerando também a regra 64 das Regras de Bangkok e a situação de dependência dos filhos menores da executada, um deles com câncer, substituo a pena privativa de liberdade por duas penas alternativas”, disse. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-SP.
Execução Provisória 0004825-14.2015.8.26.0502
Revista Consultor Jurídico, 7 de novembro de 2015, 8h27

terça-feira, 6 de outubro de 2015

Uso de delação inclusive contra advogado da "lava jato" é criticado pela classe

Uso de delação inclusive contra advogado da "lava jato" é criticado pela classe


Augusto de Arruda Botelho, presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa e um dos advogados da empreiteira Odebrecht na operação “lava jato” foi acusado pela Polícia Federal de ter comprado dossiês de policiais com informações sigilosas que serviriam para prejudicar as investigações. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo e a denúncia nasceu de um depoimento feito pela doleira Nelma Kodama, que negocia acordo de delação premiada para tentar diminuir sua pena de 18 anos de prisão.
Ferramenta utilizada de forma intensiva na investigação de corrupção na Petrobras, a delação premiada e a forma como ela é feita vem sendo contestada por advogados e juristas.
O Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Guilherme Batochio acha que a delação tem sido usada de uma forma que acaba punindo com mais gravidade quem teve menor participação no crime. “Penso que o instituto vem sendo completamente desvirtuado no país: temos visto que aqueles que seriam os maiores beneficiários de delitos se convolam em colaboradores, e obtêm os benefícios legais, delatando pessoas que teriam menor participação no evento criminoso."
O uso constante das delações pelo Estado, diz Batochio, cria a necessidade de o advogado ter mais poderes para levantar dados e confrontar as informações. "Se ao Ministério Público é dado investigar, o princípio da par conditio igualmente autoriza que o advogado promova investigações no interesse da defesa e seu cliente.”
O advogado Paulo Sérgio Leite Fernandes, profissional com 55 anos de advocacia criminal é direto: “A delação premiada é imoral. Há diferença marcante entre o que é legal e moral. A legalidade nem sempre corresponde à moralidade. A legislação da delação atende, em tese, ao organograma da lei, mas revela aversão aos parâmetros éticos. Isso veio dos Estados Unidos e não é um bom exemplo.”
Fábio Tofic Simantob, advogado criminalista, acusa uma relação promíscua entre prisão preventiva e delação premiada como modo de obtenção de prova. “Em muitos casos, alguém que está preso preventivamente faz a delação e é solto. A preventiva é para quem põe em risco a sociedade e a investigação do caso. A delação não torna ninguém menos perigoso. Então não estava preso por causa da periculosidade?”, questiona.
Em palestra feita em setembro na Universidade Mackenzie, Fabiano Silveira, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, também falou sobre o uso da prisão preventiva para então obter provas que venham de delação. "Não está, evidentemente, entre as razões autorizadoras da prisão preventiva a obtenção de qualquer prova. A jurisdição pode ser defender, agir defensivamente no objetivo de prender para garantir a lisura, a liberdade da produção de prova, para que as autoridades de persecução penal possam agir de forma desembaraçada. Mas utilizar a prisão para, positivamente, produzir prova, alcançar, me parece que é uma degeneração inconcebível do instituto da prisão.”
Problema da classe
José Roberto Batochio
, ex-presidente do Conselho Federal da OAB, vê com preocupação advogados que têm como principal estratégia de defesa a delação de seus clientes, e classifica a atitude como instrumento de persecução penal e não de defesa. Além disso, acusa o uso de delações "sob encomenda", ou seja, onde só vem à tona o que interessa à acusação naquele momento, e não o esclarecimento de tudo o que é investigado.
“Têm-se notícias do surgimento de uma bizarra forma de delação premiada denominada ‘delação à la carte’, em que os réus interessados em obter benefícios seriam chamados a delatar temas e pessoas previamente escolhidos. Fala-se, também, de ‘delação fabricada’, em que, artificialmente, se construiriam versões conciliatórias de contradições existentes em delações anteriores, sem que tenha a verdade a menor importância, mas sim a versão industriada. Tudo precisa ser iluminado pela publicidade! Os supostos fins justificariam esses odiosos meios? Morrido teria a ética?”, questiona Batochio, que pede envolvimento da OAB na análise do que vem ocorrendo.
O advogado Augusto de Arruda Botelho ressalta que está sendo acusado de algo por motivação de uma pessoa “cuja palavra já caiu em total descrédito”.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2015, 20h25

Moro diz a Teori que não usurpou competência do STF na "lava jato"

Moro diz a Teori que não usurpou competência do STF na "lava jato"


O juiz federal Sergio Moro, da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba, afirmou, nesta segunda-feira (5/10) que não usurpou a competência do Supremo Tribunal Federal na ação penal que investiga suposto pagamento de propina em obras da usina Angra 3, licitadas pela Eletronuclear.
“Mais uma vez esclareço que, em princípio, a ação penal não narra crimes envolvendo autoridades com foro, nem foi efetivada qualquer medida investigatória em relação à autoridade com foro”, disse, em ofício enviado ao ministro Teori Zavascki .
Nesta segunda-feira, o juiz enviou ao STF os autos do processo e suspendeu a sua tramitação, acatando o que havia decidido na sexta-feira o ministro. Teori acolheu liminarmente reclamação feita pela defesa de um dos réus na ação, dizendo que o caso envolvia também parlamentares do PMDB.
Revista Consultor Jurídico, 5 de outubro de 2015, 20h49

domingo, 4 de outubro de 2015

Juiz inglês paga multa de jurisdicionado, é punido e renuncia ao cargo

Juiz inglês paga multa de jurisdicionado, é punido e renuncia ao cargo


Um juiz na Inglaterra renunciou ao cargo depois de ter sido punido por tirar do próprio bolso dinheiro para pagar uma multa imposta a um jurisdicionado. Nigel Allcoat era magistrado há 15 anos e achou injusto impor mais uma cobrança a um estrangeiro que não podia sequer trabalhar no país onde pediu asilo.
A história de Allcoat é mais uma prova da indignação dos juízes por conta de novas taxas judiciais estabelecidas pelo Ministério da Justiça do país. Desde março,  quando as taxas foram criadas, muitos juízes têm renunciado ao cargo. Eles justificam que cobrar pelo menos 150 libras (cerca de R$ 900) de quem foi condenado por pedir esmolas, por exemplo, é cometer uma injustiça. 
Esse sentimento foi o que levou Allcoat a pagar 40 libras (cerca de R$ 240) para quitar a dívida de um estrangeiro com a Justiça. Em entrevista ao jornal The Guardian,  ele contou que não sabia por que o estrangeiro foi multado. Apenas teria de julgar o que fazer por ele não ter pago a multa. 
O cidadão estava pedindo asilo ao Reino Unido.  Enquanto isso,  não tinha autorização para trabalhar. As pesadas custas processuais haviam sido pagas pelo dono de uma lanchonete, que oferecia sempre comida de graça ao estrangeiro. 
Allcoat conta que se questionou de onde o cidadão tiraria dinheiro para pagar a multa e arcar com mais uma punição que o juiz deveria impor a ele. Como não podia trabalhar, o risco de que cometesse algum crime para conseguir a quantia era grande. Foi aí que decidiu quitar a dívida ele mesmo. 
A boa ação rendeu a Allcoat uma suspensão. Diante disso, ele decidiu renunciar ao cargo. É importante ressaltar que todos os chamados magistrados na Inglaterra, que julgam os crimes menos graves, são voluntários. Exercem a função nas horas vagas,  além de outra profissão que garante a sua renda. Allcoat, por exemplo, é organista profissional.

Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2015, 11h08

terça-feira, 29 de setembro de 2015

"O fato de a corrupção ter vindo à tona no Brasil é um avanço"

"O fato de a corrupção ter vindo à tona no Brasil é um avanço"


George Soros [Wikimedia Commons]Entrevista concedida pelo megainvestidor e filantropo George Soros, à jornalista Carolina Cimenti, para o programa Milênio — um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (17h30), quartas-feiras (15h30), quintas-feiras (6h30) e domingos (14h05).
A expectativa do mercado. Os humores do mercado. Mas afinal, quem é essa entidade tratada como personagem e que mexe com os destinos do mundo? Para entender um pouco melhor, vale ouvir quem nunca teve medo de lidar, de especular e de arriscar no mercado. Ele nasceu George Schwartz, na Budapeste de 1930, nove anos antes do início da Segunda Guerra Mundial. Tinha 13 anos em 1944, quando o exército nazista ocupou a Hungria. Aos 18 anos foi para Londres, onde graças a uma bolsa de estudos cursou filosofia na London School of Economics. O homem mundialmente conhecido como George Soros criou o fundo de investimento mais bem sucedido da história. No dia 16 de setembro de 1992, se transformou no “homem que quebrou o Banco da Inglaterra”. Na chamada “Quarta-Feira Negra”, o fundo de Soros apostou 10 bilhões de Libras contra a moeda inglesa e impediu que a Inglaterra entrasse na zona do Euro. Anos mais tarde, ele admitiu ter lucrado mais um bilhão de Libras só naquele dia. Chamado por muitos de mega especulador, Soros também acumula o papel de filantropo desde os anos 70. Financiou estudos de jovens negros na África do Sul do Apartheid, e mais tarde foi decisivo no apoio aos movimentos que precipitaram a queda do bloco comunista no Leste Europeu. Afastado do dia a dia do mercado financeiro desde o início do ano, George Soros esteve no Rio de Janeiro em abril para a reunião anual da fundação que criou, a Open Society, que está expandindo as atividades na América Latina. A GloboNews foi o único canal de televisão que conversou com Soros durante essa visita.
Carolina Cimenti — Por que o senhor escolheu o Brasil para sediar o encontro anual da sua fundação?
George Soros —
 Foi um encontro do conselho global, que é o conselho que administra as atividades da fundação em todo o mundo. E viemos para cá porque estamos expandindo nossas atividades na América Latina. Nós criamos um conselho consultivo de latino-americanos que nos guiarão em nossas atividades na América Latina. E o objetivo deste encontro aqui foi reunir todo mundo para formular essa estratégia.
Carolina Cimenti — A sua fundação, se não estou enganada, foi criada justamente para aumentar a transparência no mundo, no Leste Europeu. Foi por isso que veio ao Brasil, por causa dos escândalos, da corrupção que temos visto no último ano?
George Soros —
 Não. Foi uma coincidência. Isso é algo mais a longo prazo. Estamos desenvolvendo uma estratégia para a fundação, que continuará após a minha morte. Estamos reorganizando a fundação, institucionalizando-a, para que ela sobreviva a mim. Minha ideia original era gastar todo o meu dinheiro durante a minha vida, mas concluímos que isso seria muito egoísta e que é necessário que a fundação continue existindo. E a necessidade mais importante, na minha opinião, é continuar apoiando a sociedade civil na responsabilização de governos e de pessoas no poder pela forma como usam esse poder que é dado a eles pelo povo.
Carolina Cimenti — Estamos vendo a Petrobras, o governo e empresários envolvidos em doações ilegais a partidos. Algumas dessas pessoas estão presas, outras ainda estão sendo investigadas. Isso lhe dá uma sensação de que algo está sendo feito ou um sentimento negativo em relação ao Brasil?
George Soros —
 Acho que, até certo ponto, isso acontece porque, nos últimos 15 anos, o Brasil desenvolveu instituições independentes que estão atentas ao interesse público. Vocês também têm uma imprensa muito atuante, que faz jornalismo investigativo. Esses são desenvolvimentos institucionais positivos que revelam uma corrupção que antes provavelmente estava escondida. O fato de ela ter vindo à tona, na minha opinião, é um avanço, porque significa que agora as pessoas sabem que ela existe, são contra ela e espero que condições melhores sejam criadas.
Carolina Cimenti — A violência também é um grande problema nosso. Sei que algumas pessoas da sua equipe foram ao Batalhão de Operações Especiais da polícia. Lutamos há muitos anos contra o tráfico e as drogas. Às vezes parece que a situação está melhorando, outras vezes, como no último mês, a violência volta a aumentar. Qual é a sua opinião? O que países que enfrentam esse problema grave devem fazer?
George Soros —
 Esse é um dos problemas principais que começamos a atacar 25 anos atrás, e acho que estamos progredindo. Aliás, a América Latina está liderando o caminho, porque nós reconhecemos que a dependência química é um problema sem solução. É basicamente um problema de saúde pública, e tratar os dependentes químicos como criminosos dificulta que lidemos com o problema da dependência. Então é preciso distinguir entre os usuários de drogas, que são vítimas, e os traficantes, que os exploram. Como os usuários muitas vezes são tratados como criminosos, é fácil explorá-los. E acho que a Comissão Global de Política sobre Drogas conseguiu avançar bastante na tentativa de convencer o público de que essa é a abordagem certa.
Carolina Cimenti — Há alguns anos, um empresário brasileiro do setor de petróleo e gás, Eike Batista, chegou à oitava posição da lista de bilionários daForbes e prometeu que chegaria ao primeiro lugar em breve. Isso não aconteceu. O que o senhor acha disso? E em relação à concorrência? Quando vê Warren Buffett ou Bill Gates, isso é importante? A concorrência é importante para se conquistar mais?
George Soros —
 De maneira geral, a concorrência é algo positivo, mas não deve ser exagerada, porque é preciso haver cooperação. Principalmente no mercado financeiro, que foi globalizado. A globalização se alastrou como um incêndio na mata, porque ela permitiu que indivíduos, capitalistas e empresas escapassem, transferindo seus ativos, de regulamentações e de tributação. Mas mercados sem regulamentação são instáveis. É claro que a falta de tributação deixa os ricos mais ricos e a diferença entre os ricos e os pobres cresce. Então, para corrigir essas deficiências, precisamos de cooperação internacional. E isso é muito difícil, porque a regulamentação e a tributação são questões de soberania nacional. Temos a globalização, mas a globalização das regulamentações não acompanhou a globalização dos mercados.
Carolina Cimenti — O senhor é o investidor mais bem sucedido do mundo e, ao mesmo tempo, um dos maiores filantropos do mundo. Trabalha nas duas direções. Por um lado, luta para ganhar dinheiro e, por outro, doa dinheiro. Alguns o chamam de especulador desalmado, mas, por outro lado, o senhor doa dinheiro para causas muitas vezes esquecidas. Quem é o senhor?
George Soros —
 Há uma ligação. São dois aspectos diferentes, e passei quase toda a minha vida tentando ligar os dois e encontrar o equilíbrio, que encontrei na minha idade avançada porque finalmente me aposentei do meu trabalho e agora me dedico exclusivamente à filantropia. É um tipo especial de filantropia baseado na minha filosofia, que me guiou tanto para ganhar dinheiro como para gastá-lo. O meu mentor foi um filósofo, Karl Popper, que me ensinou sobre a importância do pensamento crítico. Como bom aluno, também me tornei um crítico da filosofia dele e a desenvolvi. É essa filosofia que me guia em ambas as atividades. Até recentemente eu achava que a minha filosofia era uma questão pessoal, algo que me guiava, mas a crise financeira de 2007 e 2008 me convenceu de que o meu arcabouço conceitual talvez seja uma contribuição valiosa para o entendimento da humanidade. Eu me considerava um filósofo fracassado, mas agora, já bem idoso, acho que sou um filósofo sério.
Carolina Cimenti — O conflito entre a Ucrânia e a Rússia, o senhor já falou, é o maior risco que o mundo corre hoje, e pode até ajudar a desintegrar a União Europeia, que é um projeto muito importante. Ainda é o caso?
George Soros —
 Em primeiro lugar, o meu interesse na Ucrânia tem motivos pessoais e, digamos, tem motivos subjetivos e objetivos. O motivo subjetivo é que eu criei uma fundação na Ucrânia, uma Open Society Foundation, há 25 anos, antes de a Ucrânia se tornar independente. É mais antiga do que o país em si. E essa fundação está no centro da resistência à agressão russa. E praticamente todas as pessoas envolvidas no que chamo de uma experiência única na democracia participativa estão de alguma forma ligadas à fundação. Portanto esse é o motivo subjetivo. Graças a isso, eu entendo melhor a situação e acho que essa é uma das crises mais importantes do mundo atual e solucioná-la da forma certa faria uma grande diferença na solução de todas as outras crises que hoje se multiplicam no mundo, porque crises não diminuem, elas crescem, se multiplicam.
Carolina Cimenti — Nesse sentido, uma possível desintegração ou uma integração não tão forte da União Europeia é uma má notícia.
George Soros —
 Seria muito sério, porque a União Europeia era, de certa forma, a forma mais avançada de cooperação internacional da Europa, que reúne, afinal, vários Estados soberanos com uma história em comum, com uma formação em comum, com valores parecidos...
Carolina Cimenti — Uma moeda comum...
George Soros —
 Agora eles têm uma moeda comum, e essa moeda comum é a primeira causa dos problemas que a União Europeia está enfrentando. Eu escrevi um livro, A Tragédia da União Europeia, que trata da crise do euro, que veio da crise que se originou nos Estados Unidos com o problema da bolha do mercado imobiliário. Mas o sistema bancário europeu foi profundamente afetado. Portanto esse é o pano de fundo, mas o capítulo mais recente é o renascimento da Rússia como potência agressiva e assertiva. Eu estava envolvido no colapso da União Soviética 30 anos atrás, então, para mim, isso é um déjà-vu, é um repeteco. Mas a grande diferença entre os acontecimentos de 30 anos atrás e o que está acontecendo hoje é que, há 30 anos, a União Soviética estava se desintegrando e a União Europeia estava no auge de sua integração, era um projeto novo e dinâmico. Eu tratei a União Europeia como monumento ao ideal de uma sociedade aberta, com Estados soberanos iguais...
Carolina Cimenti — E agora é o contrário.
George Soros —
 Exatamente o contrário. Agora temos a desintegração da União Europeia devido à crise do euro e um ressurgimento da Rússia, assertiva e agressiva.
Carolina Cimenti — Ainda acha que há 50% de chance de a Grécia deixar a zona do euro nos próximos meses?
George Soros —
 Bem, temos a crise grega e a crise ucraniana ao mesmo tempo. Até agora a União Europeia tem tido sucesso, aos trancos e barrancos. Mas lidar com os dois problemas ao mesmo tempo talvez seja demais. E um dos maiores problemas é que a União Europeia trata a Ucrânia como se fosse apenas outra Grécia que nem integrante da União Europeia é. E que portanto não merece muita atenção e apoio. E esse é um erro enorme, porque hoje existe uma nova Ucrânia, a Ucrânia de que eu falava, que quer ser o oposto da antiga Ucrânia, que era subserviente à Rússia. Na verdade, era quase uma caricatura do regime de Putin, muito pior, ou melhor, um pouco pior do que o próprio regime de Putin. E essa nova Ucrânia quer ser o oposto, e trata-se de um aliado muito valioso, que defende a União Europeia contra uma agressão real que ameaça os valores e os princípios que levaram à formação da União Europeia. Então essa é a questão ucraniana. E a ameaça da Rússia é o maior problema que não está suficientemente sendo levado a sério e compreendido pelo povo nem pela liderança da União Europeia.
Carolina Cimenti — Qual é a sensação de ganhar um bilhão de libras em um dia? A sensação é boa?
George Soros — Você se acostuma.
Revista Consultor Jurídico, 29 de setembro de 2015, 11h26

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

TJ-MT inicia conciliação virtual entre presos e suas famílias

DEMANDAS CÍVEIS

TJ-MT inicia conciliação virtual entre presos e suas famílias


O Tribunal de Justiça do Mato Grosso deu início a um projeto que permite presos e suas famílias solucionarem demandas cíveis por meio de acordo consensual, sem a necessidade de judicializar o conflito. A negociação é feita por videoconferência.
Dos quase 280 presos da comarca, 50 possuem demandas cíveis que serão submetidas à mediação virtual. O projeto foi idealizado pelo juiz Anderson Candiotto. “Com a técnica, conseguimos resolver conflitos na esfera cível que antes teriam que ser judicializados pela impossibilidade de o estado custear uma escolta para transportar o preso a um centro de conciliação”, conta.
Segundo o juiz, além de poupar a máquina judiciária, outro benefício da iniciativa é a oportunidade dada à pessoa presa de participar, por exemplo, de decisões acerca da guarda de seus filhos, o que não seria possível judicialmente, já que o processo teria que correr à sua revelia. A adesão das partes ao projeto é voluntária.
A mediação realizada dentro do presídio pelo TJ-MT segue a tendência de informatização do Judiciário brasileiro. Já é realidade em diversos estados a realização de audiências por meio virtual de réus presos.
Um exemplo disso é o projeto Conciliação sem Fronteiras, idealizado pelo defensor público Cassio Bitar Vasconcelos, do Pará. Criada em 2012, a prática promove via internet a solução de conflitos entre pessoas de comarcas distintas e que não teriam como sair de suas cidades para comparecer a uma audiência em outra localidade, seja por problemas de saúde ou financeiro. A iniciativa já foi reconhecida pelo Prêmio Conciliar é Legal, do Conselho Nacional de Justiça. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ. 

Revista Consultor Jurídico, 27 de setembro de 2015, 17h24

A Justiça e o Direito nos jornais desta segunda-feira

A Justiça e o Direito nos jornais desta segunda-feira


Algumas empresas têm conseguido liminares que tratam de problemas enfrentados no Refis da Copa. Duas delas garantem a inclusão no parcelamento de dívidas de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e outra assegura uma tutela antecipada que trata da base de cálculo da antecipação exigida na adesão ao programa. Esse adiantamento era calculado com base no valor devido: 5% para débitos até R$ 1 milhão, 10% entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões, 15% entre R$ 10 milhões e R$ 20 milhões e 20% acima de R$ 20 milhões. As informações são do Valor Econômico.
Estabilidade limitada
A tempo de estabilidade de emprego garantido a funcionários que contraem doenças ocupacionais é limitado a 12 meses, assim entendeu o Tribunal Superior do Trabalho ao negar a reintegração ao quadro de trabalhadores a um auxiliar técnico de uma empresa de telefonia. Essa foi a segunda demissão do trabalhador, que já havia sido demitido após ficar impossibilitado de trabalhar devido a uma artrose no punho. Como atuava carregando objetos pesados em locais de difícil acesso, o funcionário perdeu sua capacidade de trabalho. A doença teria sido causada pela função exercida. As informações são do Valor Econômico.
Flores pra você
A coluna Painel, da Folha de S.Paulo, noticia que uma sindicância será aberta para apurar como que um casal entrou no plenário do Tribunal Superior Eleitoral e deixou flores e um bilhete para a ministra Luciana Lóssio. No bilhete era solicitado que a julgadora devolvesse o processo de cassação contra a presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer.
Ameaças na internet
A ministra Luciana Lóssio criticou a atitude de seguidores do Movimento Brasil Livre, que a xingaram em uma publicação do grupo no Facebook. Na mensagem, alguns comentários também solicitavam que as pessoas abordem a ministra na rua. “Não é admissível um juiz sofrer esse tipo de constrangimento. Tenho pleno senso de responsabilidade com o momento que o país atravessa, mas esse tipo de ameaça passa de todos os limites”, disse Luciana Lóssio. As informações são da Folha de S.Paulo.
Mais crime
A Ordem dos Advogados do Brasil prepara uma mobilização com o intuito de criminalizar o caixa dois eleitoral. A entidade irá promover diversos eventos até o dia 9 de dezembro, que é o Dia Internacional do Combate à Corrupção. Devem participar, junto à OAB, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Associação dos Magistrados Brasileiros. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Estrategista
Em reportagem do Valor Econômico, Nelson Jobim, ex-ministro dos governos do PT e PSDB e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, é apresentado como o estrategista por trás do desmembramento das ações da operação “lava jato”. “Em momentos de intranquilidade como esse, Jobim é procurado como o possível aglutinador entre ministros do STF, advogados de empreiteiras e políticos temerosos com o desenrolar da operação”, afirma o jornal. A reportagem ainda informa que, como resultado dessa separação de processos, os advogados das empreiteiras e dos executivos preparam diversas ações de contestação às decisões do juiz federal Sergio Moro.
Desapropriação de terra
O ministro do Superior Tribunal de Justiça Mauro Campbell Marques pediu vista do processo que trata de questionamentos do Incra e do Ministério Público Federal (MPF) sobre o pagamento de R$ 5 bilhões de indenização por um imóvel localizado na cidade de Promissão (SP) que foi desapropriado para reforma agrária em 1989. A ação de desapropriação começou a ser julgada em 1993 e foi finalizada em 1995. Porém, em 1997, o Incra questionou o valor da indenização. As informações são do Valor Econômico.
Recuperação de jovens
Segundo um relatório de 2014 do Conselho Nacional do Ministério Público, 63% dos estados brasileiros têm unidades superlotadas para internação e 70% dos estados têm entre 50% e 100% das instalações insalubres. Nos casos de Amapá, Pará, Mato Grosso e Roraima, todas as unidades foram consideradas insalubres. Outro problema é o fato de 16% das unidades socioeducativas brasileiras não separem os adolescentes pelo tipo de infração cometida. Quando ocorre a divisão, ela é feita levando em conta a facção que cada menor integra. As informações são do jornal O Globo.
Abaixo-assinado
Segundo o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, 200 mil pessoas já aderiram ao abaixo-assinado que contesta decisão do STF de desmembrar as ações da operação “lava jato”.
Deu prejuízo
A empresa especializada em teste de poços no pré- sal, a Ecoglobal, está processando a Petrobras por ter perdido o contrato com a companhia energética depois de ter sido citada na operação “lava jato”. A ação está sob análise da 19 ª Vara Cível. As informações são do colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo.
Em silêncio
Os delegados da Polícia Federal que participam da operação “lava jato” Maurício Moscard Grillo, Rosalvo Franco e José Washington Luiz Santos, permanecerão calados durante a sessão da CPI da Petrobras marcada para esta quinta-feira (1º/10). Habeas Corpus concedidos pelo STF garante aos três agentes o direito de não responderem qualquer questionamento feito. Os delegados afirmam que a comissão "não deve atuar como delegacia de polícia". As informações são do Valor Econômico.
Outra pauta
O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, negou que as conversas com ministros do TCU, ocorridas, na semana passada trataram da possibilidade de recurso caso a corte técnica rejeite as contas da presidente Dilma. Ele diz que o assunto discutido tratou das normas para evitar possíveis novas irregularidades nas constas públicas. As informações são da Folha de S.Paulo.
OPINIÃO
Depósitos judiciais
O advogado Marcelo Beserra, em artigo publicado pelo Valor Econômico, elogia o Projeto de Lei Complementar 151, que permite o uso de 70% dos depósitos judiciais para pagamento de precatórios. Beserra supõe, ainda, que o PLC teria sido influenciado por uma lei estadual do Rio de Janeiro, que libera 25% dos depósitos judiciais para o mesmo fim. “Agora, com o advento dessa Lei Complementar 151, as esperanças dos cansados credores de precatórios foram renovadas, pois, segundo estima-se, cerca de R$ 21 bilhões poderão ser liberados para pagamento dos precatórios estaduais e municipais e, a partir do próximo ano, algo em torno de R$ 1,6 bilhão anual”, afirma o advogado.
Revista Consultor Jurídico, 28 de setembro de 2015, 13h13

domingo, 30 de agosto de 2015

Coação de acusado pelo Ministério Público tira validade de acordos criminais

Coação de acusado pelo Ministério Público tira validade de acordos criminais


Nos acordos criminais, como os de aplicação consensual da pena e de delação premiada, o acusado é sempre coagido pelo Ministério Público para aceitar a proposta oferecida pelo órgão, pois está sob a pena de receber uma punição maior caso recuse a oferta e decida se submeter a julgamento. Com isso, o compromisso fica viciado, já que não se dá por livre escolha. Outro vício deste tipo de transação diz respeito ao seu objeto, a liberdade do acusado, um direito indisponível, portanto, inegociável.
Esse é o entendimento dos advogados Aury Lopes Jr., do Aury Lopes Jr. Advogados Associados, e Diogo Malan, do Mirza & Malan Advogados. Na mesa em que dividiram nessa quinta-feira (27/8) no 21º Seminário Internacional de Ciências Criminais em São Paulo, os criminalistas criticaram duramente os mecanismos de assunção de culpa em troca de redução da pena.
Hipertrofia do MP faz com que oferta nunca seja vantajosa ao réu, diz Malan.
TJAM
A aplicação consensual da pena (plea bargaining) é um instituto surgido nos EUA que possibilita que o Ministério Público e o acusado firmem um acordo no qual este reconhece sua culpa e renuncia ao julgamento em troca de um tratamento mais brando da pena. Segundo Malan — que é professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro — o instituto está sendo cada vez mais aplicado nos países que adotam o sistema Civil Law. Dessa maneira, há muitos que defendem a sua implantação no Brasil. Inclusive, o mecanismo está previsto nos projetos dos novos Código Penal e de Processo Penal em discussão no Congresso.
Mas o criminalista argumentou que os entusiastas da medida desconhecem a posição da doutrina norte-americana. De acordo com ele, os juristas do país dizem que o instrumento funciona “essencialmente com base na coação do acusado sob ameaça explícita de sofrer uma pena mais gravosa caso não concorde”. Assim, o acusado carece de autodeterminação e livre-arbítrio. Para demonstrar a invalidade desse tipo de acordo, Malan traçou um paralelo com o Direito Civil, e afirmou que contratos firmados sob coação são viciados e anuláveis.
O mesmo raciocínio se aplica à delação premiada, avaliou o especialista em Direito Penal à revista Consultor Jurídico. A seu ver, nessa medida também há vício de vontade, especialmente quando o acusado está sendo exposto pela imprensa, preso cautelarmente ou com seus bens bloqueados — situações que, na visão de diversos criminalistas, forçaram investigados na operação “lava jato” a colaborarem com a Justiça.
A discrepância de forças entre as partes é mais um problema destacado pelos doutrinadores dos EUA, apontou o advogado. Isso porque os “poderes hipertrofiados” do promotor fazem com que ele infle de maneira artificial sua acusação para que o acusado tenha um compromisso menos vantajoso. O resultado disso é uma percepção negativa da sociedade quanto à ética do sistema jurisdicional.
Pior que a aplicação consensual da pena nos EUA seria importá-lo para o Brasil sem estudar a fundo as diferenças entre os ordenamentos jurídicos, opinou o professor da UFRJ. Lá, há um controle popular sobre promotores, que são eleitos por voto popular, e critérios mais rigorosos para condenar criminalmente alguém — nos tribunais federais, por exemplo, é necessário que todos os 12 jurados decidam que o réu é culpado.
Contudo, Malan considera inevitável que o instituto chegue ao país, especialmente depois que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos reconheceu a sua validade e importância na no combate à corrupção, ao crime organizado e à superpopulação carcerária. Ele lembra que o caso que motivou essa decisão era extremo. Na ação movida contra a Geórgia, dois homens alegaram que a aplicação consensual da pena a que se submeteram foi injusta, uma vez que eles foram coagidos a firmar o acordo pelo fato de que, na época, apenas sete dos 17.639 réus que se submeteram a julgamento no país foram absolvidos.
O índice é parecido com o dos EUA. Lá, 97% dos acusados de crimes federais celebram compromissos para renunciar ao processo, e, dos 3% que decidem ir até o fim, 92% acabam recebendo sentença desfavorável.
Então, se não der para impedir a criação do instrumento na legislação brasileira, será preciso oferecer uma “resistência democrática” concentrada na redução de danos, apontou Malan. Como parâmetros mínimos para a aplicação consensual da pena por aqui, o criminalista recomendou, entre outras sugestões, que a legitimidade para propor o acordo deve ser bilateral; que o compromisso só deve poder ser oferecido pelo acusador se ele tiver elementos mínimos da ocorrência do delito e de sua autoria; que haja previsão legal detalhada de todas as condições que o promotor pode oferecer; e que seja proibido o uso de meios coercitivos e enganosos para forçar o acordo, como vazamento de informações à mídia e prisão cautelar para minar a resistência do acusado.  
Penas altas da "lava jato" servem para coagir réus a colaborarem, diz Lopes Jr.
Desconstrução de argumentos
Em sua palestra, Aury Lopes Jr. — que é professor de Direito Processual Penal da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e colunista da ConJur — elencou os cinco principais argumentos dos favoráveis à implantação da aplicação consensual da pena no Brasil. São eles: a manifestação de um processo penal acusatório; a possibilidade de livre-negociação pelo acusado; a maior celeridade e economia; o desafogamento da Justiça; e o fato de ser um modelo adotado com sucesso em diversos outros países.
Em seguida, o advogado passou a desconstruir um por um desses motivos. Logo de cara, ele explicou que, no modelo brasileiro, há uma radical separação entre os sistemas acusatório e julgador. Como o MP não tem poder de punir — algo restrito aos juízes — ele não poderia negociar a respeito da pena. Com relação à manifestação de vontade, Lopes Jr. lembrou que “não estamos falando [da realidade] de Shakespeare, mas de Nelson Rodrigues, a vida como ela é, suja”, o que faz com que o consentimento não seja dado, e sim extraído pelas autoridades.   
Quanto à maior eficiência do Judiciário, o professor da PUC-RS questionou a quem ela serviria. Na sua interpretação, é ilegal aplicar uma pena sem um procedimento regular. Entretanto, ele se resignou que o “Processo Penal completo virou um luxo” no país. Por fim, o criminalista ressaltou que a aplicação consensual da pena vem sofrendo fortes resistências em países europeus como Itália, Alemanha e Portugal. E os EUA, onde ela é mais popular, são o país com mais presos do mundo — 2,2 milhões —, o que mostra que, na realidade, o instrumento contribui para o crescimento da população carcerária.    
Lopes Jr. também criticou a delação premiada, acordo que, para ele, também é firmado sob coação e fere a autonomia da vontade, além de violar garantias fundamentais como o direito ao silêncio, ao duplo grau de jurisdição e ao Habeas Corpus. Ele foi categórico ao declarar que na “lava jato” — que investiga corrupção na Petrobras — o juiz federal Sergio Moro está impondo penas altíssimas aos que não colaboraram com a Justiça, como forma de forçar os demais réus e investigados a celebrarem compromissos desse tipo.  
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 29 de agosto de 2015, 6h50

segunda-feira, 24 de agosto de 2015

"Todos os números que temos sobre a atuação do Judiciário são artificiais"

PROCESSOS IMPOSSÍVEIS

"Todos os números que temos sobre a atuação do Judiciário são artificiais"


Desde que assumiu a presidência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em fevereiro de 2014, o desembargador federal Fábio Prietobusca priorizar a atividade-fim do Poder Judiciário: julgar. Pode parecer simples, ou óbvio, mas esse foco se reflete na redução dos estoques de processos no tribunal que ele comanda. Com visão de gestor, tenta incentivar quem faz mais em vez de punir que faz menos.
À frente da maior região da Justiça Federal do país (só em 2014, foram mais de 600 mil novos casos), Prieto é visto como um gestor prático, que não espera ter as condições ideais para levar um projeto adiante. Tira do papel e busca adequar a implantação aos planos. Foi assim, por exemplo, com a criação de seções especializadas em julgar matéria penal: não esperou a corte ter mais desembargadores, apenas reorganizou os que tinha.
Entre os projetos que toca está a chegada do processo eletrônico à Justiça Federal. Último braço da Justiça a informatizar-se, a demora foi também uma estratégia para fazer um PJe com menos problemas e que envolva menos gastos (e desgastes com disputas sobre qual sistema utilizar). Enquanto tribunais estaduais precisaram arcar com os custos da implantação do próprio sistema — o Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, desembolsou mais de R$ 300 milhões —, a Justiça Federal utiliza o desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça.
Não são apenas soluções que vêm do CNJ, segundo Prieto. Crítico a certos aspectos da atuação do órgão, ele acha que um dos problemas está na própria formação dele, que o deixa refém de pautas unicamente corporativas. Um exemplo é a criação de novos TRFs aprovada pelo conselho. “Se o CNJ funcionasse como deveria, o contribuinte não estaria pagando por quatro novos tribunais. É preciso saber por que há juízes que trabalham muito e outros pouco, mas isso o CNJ não responde”, reclama.
A produtividade dos julgadores e dos tribunais parece o centro de suas preocupações.  No entanto, a própria medição que é feita hoje em dia, diz, está errada. Isso porque conta, por exemplo, execuções fiscais em que o Poder Público não aponta sequer os bens a serem penhorados como processos. Esses seriam, para Prieto, exemplos de “não-processos”, pois nunca vão andar e não é por falta de decisões, uma vez que o juiz está de mãos atadas.
Eleito pelo pleno do tribunal com 97% dos votos numa época em que as eleições no tribunal eram quase sempre divididas, Fábio Prieto encerrará seu mandato em fevereiro de 2016 com o sentimento de que finalmente todos estão trabalhando em paz. Julgará por mais quatro anos e, assim que encerrar sua carreira na magistratura, pretende voltar a advogar.
Leia a entrevista:
ConJur  — O senhor definiu três metas para a sua gestão: instalar turmas especializadas em Direito Penal, apoiar turmas que julgam Direito Previdenciário e implantar o processo eletrônico. Por que fixou essas intenções?
Fábio Prieto —
 Por vários motivos. No plano pessoal, o desafio não só de estar vivo, mas de viver. Do ponto de vista político-institucional e administrativo-gerencial, há várias razões: a sinalização da liderança, a escolha de prioridades, a concentração dos esforços, o foco na motivação das equipes gerenciais e operacionais.
ConJur  — Como está o cumprimento das metas?
Fábio Prieto —
 Tomei posse em fevereiro do ano passado e logo em julho as duas turmas de Direito Penal foram instaladas. Propus as modificações necessárias aos conselhos de Justiça e Administração do tribunal. Contei com o apoio unânime dos colegas. Depois, cuidei da alocação de pessoal, mobiliário, equipamentos de informática e outras necessidades operacionais. Está funcionando muito bem, não recebi reclamações até agora. Na área da previdência social, apoiamos os gabinetes mais congestionados. No pior deles, coloquei um juiz federal eficiente e capaz de liderar. Hoje, depois de poucos meses, é um dos melhores gabinetes do tribunal. Agora, estamos trabalhando na Vice-Presidência. Este setor estava na curva descendente, com mais de 120 mil processos.
ConJur  — É o gabinete da desembargadora Cecília Marcondes?
Fábio Prieto —
 Sim. A desembargadora Cecília é reconhecida pelo compromisso e pela eficiência. Seu gabinete sempre foi exemplar. No começo do meu mandato, as entidades da advocacia reclamaram, e com razão, da Vice-Presidência. Eu expliquei que primeiro treinaria o meu grupo de apoio nas turmas e, depois, o colocaria na Vice-Presidência. E foi um ganho. A Cecília já havia, depois de muitos anos, invertido a curva de produtividade na Vice-Presidência. Ou seja, todo mês, passaram a sair mais processos do que entraram pela distribuição. Entre as turmas e a Vice-Presidência, o grupo de apoio organizado pela presidência fez mais de 20 mil minutas de decisões.
ConJur — O senhor trouxe juízes e servidores da primeira instância?
Fábio Prieto —
 Não. Juiz é titular de cargo e função. Não há cargo e função para juiz de mutirão. Os desembargadores e os servidores do tribunal só precisam ser corretamente motivados. O resultado está aí.
Conjur – Mas o Conselho Nacional de Justiça e os outros tribunais convocam juízes para isso e também para assessorias. É irregular?
Fábio Prieto —
 A pergunta é embaraçosa para o CNJ e os outros tribunais. A Constituição veta. A Loman [Lei Orgânica da Magistratura Nacional] veta, por várias razões. Uma delas é a má formação de novas lideranças. Juiz tem independência e inamovibilidade. Um jovem juiz submetido à subordinação e descartável por qualquer motivo está recebendo o estímulo profissional correto? No caso do agente político ists é muito grave, por isto as previsões da Constituição e da Loman.
ConJur — Como o senhor constituiu o grupo de servidores de apoio?
Fábio Prieto —
 Nosso tribunal tem estrutura muito enxuta. Mas o pessoal é eficiente, porque é recrutado pelo concurso público, com boa remuneração. Temos ainda instalações, mobiliário e equipamento de informática de boa qualidade. O orçamento é bastante razoável. Se liderar de modo correto, acontece o resultado.
ConJur — E a implantação do PJe [lançada na última sexta-feira (21/8)], como foi feita?
Fábio Prieto —
 A Justiça Federal da 3ª Região tem uma memória muito negativa, pois anos atrás tentou instalar um projeto que era mal concebido, que resultou em fracasso. Fora do tribunal, havia uma acirrada disputa política entre o CNJ e a advocacia. Alguns tribunais gastaram dezenas ou centenas de milhões com vários projetos. Além disso, existem as dificuldades tecnológicas. Organizei a agenda, com as equipes de servidores, e saímos a campo. Começamos pelos descrentes, pois era preciso trazê-los para o projeto. Primeiro, a equipe de informática do tribunal e todas as entidades representativas da advocacia. Esses dois grupos tinham razões para desacreditar. Fiz muitas reuniões. Hoje são parceiros ativos e entusiasmados.
ConJur — Por que a primeira experiência começou em São Bernardo do Campo?
Fábio Prieto —
 Não podia ser uma cidade nem muito longe, nem muito perto da sede do TRF. Também temos juízes mais antigos lá. Selecionamos algumas classes de ação, como, por exemplo, mandado de segurança. Vamos começar de modo seguro e consistente. Trabalho e discrição.
ConJur — Advogados de Londres estiveram por aqui em convênio com a OAB e disseram que “o processo eletrônico é uma coisa monstruosa, e é de se admirar que o Brasil esteja fazendo”. Lá na Inglaterra não se tem nem o interesse de fazer. Como o senhor, que já viveu por lá, avalia essa questão?
Fábio Prieto —
 É preciso considerar uma coisa sobre a Inglaterra e outros países ricos: eles contam as moedas dos orçamentos públicos ou das próprias famílias. O [Pedro] Malan [ex-ministro da Fazenda] me disse que país rico discute custo com o que tem; país pobre gasta logo o que não tem. Quando morei na Inglaterra, diante de uma crise econômica, vi serem fechados dezenas de gabinetes vinculados ao sistema de administração de Justiça, inclusive da assistência judiciária gratuita. Imagina fechar uma vara, em uma cidade qualquer do Brasil...
Em Londres, os processos são rápidos, a grande maioria corre por juizados de pequenas causas. Os processos grandes são caros, como em qualquer país civilizado. Aqui, nós temos o mandado de segurança. No Brasil, a British Petroleum impetra o mandado de segurança, com custas irrisórias, discute 20 anos e, se perder, não paga honorários advocatícios. Se tentarem fazer isso em Londres, derrubam o primeiro-ministro! Parece incrível, mas eles simplesmente não precisam do processo eletrônico para melhorar o sistema de administração de Justiça. Mas estamos evoluindo, vamos chegar lá um dia...
ConJur — Para entrar com processo na Justiça inglesa é caríssimo, o que diminui a quantidade de processos, certo?
Fábio Prieto —
 Não nos juizados de pequenas causas, onde se encontra a maioria das demandas. Mas os países ricos repassam boa parte dos custos do processo para os demandantes que têm recursos, da classe média para cima. E o grande árbitro desses custos é o advogado, cujo prestígio é incontestável. É um prestígio verdadeiro, não o das fórmulas vazias. O advogado é o estrategista da demanda e sabe até onde pode levar o cliente, dentro do sistema. Para melhorar o nosso sistema, temos que fazer o mesmo: valorizar a atuação do advogado.
ConJur — Até o final do ano, em que locais estará o PJe?
Fábio Prieto —
 Após a primeira etapa de instalação, pode-se trabalhar, basicamente, com dois modelos. Em um deles, poderíamos antecipar o calendário geral de ampliação. No outro, de acordo com a evolução do sistema, fazer ampliações pontuais. Ficamos com o segundo modelo. A cada mês, de acordo com o Comitê Gestor do projeto e as equipes técnicas, vamos definir o raio de ampliação. O uso do home office por alguns servidores do tribunal já mostra a facilidade que eles têm de lidar com tecnologia. Deve ajudar.
ConJur — No Tribunal de Justiça de São Paulo, quando implantaram o home office, disseram que os servidores teriam que aumentar o trabalho e arcar com os custos...
Fábio Prieto —
 Este é um mundo novo. Vamos observar um pouco.
ConJur — É preciso “deixar rolar”?
Fábio Prieto —
 Isso é como o juiz trabalhar em casa. O tempo que eu mais trabalhei na minha vida profissional foi em casa. Fiz 30 mil decisões em sete anos. O telefone quase não toca. Você não é interrompido. Quando vinha algum advogado aqui no tribunal, minha assessoria oferecia um café e ligava para minha casa, inclusive pelo Skype. Sempre atendi os advogados. O computador sabe se alguém está trabalhando ou não.
ConJur — Mas não é preciso ter algum regimento para isso?
Fábio Prieto —
 A ideia é fazer um. Até para dizer o que pode e o que não pode e a maneira de medir a produtividade. É muito simples. A corregedoria, hoje, é praticamente toda informatizada.
ConJur — No TRF-3 existe a política de cobrar o desembargador por quantidade de decisões? Ou por ser mais rápido?
Fábio Prieto —
 O presidente não pode cobrar isso, porque ele não é corregedor. Eu acredito em políticas positivas, de incentivo, de colaboração, e fiz isso a vida inteira na advocacia, no Ministério Público e no Judiciário. Mostro tudo o que é positivo, de quem trabalha aqui. Não fico discutindo as falhas dos outros, porque sequer tenho competência funcional para isso. Há anos, entrei numa turma em que cada juiz tinha a média de 10 mil processos. Quando entrei, meu gabinete tinha 11 mil. Era o maior estoque. Quando saí para ir a Londres, tinha 4 mil no meu gabinete e os demais tinham a média de 5 mil. Hoje, a média foi para 10 mil processos de novo, na mesma turma.
ConJur — Isso é uma questão de gestão?
Fábio Prieto —
 É uma questão de gestão, de modelo de liderança. Agora, no gabinete mais congestionado da área de previdência social, designei um juiz convocado muito bom. Eu o orientei a levar duas pessoas de confiança dele, junto com um servidor do meu grupo de apoio, para liderar toda a equipe. E disse para não tirar ninguém mais. Avisei que em três meses mudaríamos todo o sistema de trabalho, com as mesmas pessoas até então desmotivadas. Em três meses, assinei, junto com o presidente do STF, o ministro Ricardo Lewandowski, um elogio a toda equipe de servidores. Hoje, é um dos melhores gabinetes do tribunal. E são as mesmas pessoas.
ConJur — Seria positivo ou negativo para a Justiça Federal a criação de novos tribunais?
Fábio Prieto —
 Desnecessário. Desperdício de dinheiro do contribuinte. Só se justifica uma coisa dessas pelo número de processos. A aprovação disso mostra que precisamos aperfeiçoar o CNJ. Até hoje, o CNJ não definiu o método de avaliação da produtividade e das necessidades sociais dentro do sistema de administração de Justiça.
O próprio CNJ é uma estrutura caríssima, com 800 servidores e 4 edifícios. O cálculo de ampliação dos tribunais ainda é feito com a seguinte fórmula: um juiz tem 19 mil processos para julgar, enquanto outro tem mil. Logo, com 20 mil para dois juízes, temos a média de 10 mil processos para cada um. Isso é equivocado. O juiz com mil processos mostra que não precisamos aumentar a estrutura. O outro, com 19 mil, evidencia que as atuais estruturas de incentivo, fiscalização e controle não funcionam.
ConJur  — Como punir o juiz?
Fábio Prieto —
 Essa pergunta é boa, mas incompleta. Primeiro, como em qualquer atividade humana, diante de um problema, é preciso começar com a pergunta certa: como incentivar a superação da falha? Quais são os incentivos? São suficientes? Os meios para alcançá-los. Depois, fiscalizar a recuperação com rigor. Por fim, punir, sim, se necessário.
ConJur — O TRF-3 encerrou 2013 com 472 mil casos pendentes e, no fim do ano passado, ficou com 317 mil. Já na primeira instância, foram 547 mil casos novos em 2013 e, em 2014, 638 mil casos. E aproximadamente 2,2 milhões de ações pendentes nas áreas dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. O que esses números dizem?
Fábio Prieto —
 Todos os números do Judiciário são artificiais. Quase metade, 45%, dos processos são execuções fiscais na Justiça Federal. Ou seja, são não-processos. Quando eu era advogado de banco, não podia ajuizar a execução sem saber onde estavam os bens do devedor. Ocorre que as execuções fiscais são ajuizadas sem qualquer dado e, na expressiva maioria dos casos, não têm qualquer utilidade. Então as estatísticas são artificiais. É preciso definir um novo modelo de execução fiscal.
ConJur — E em relação a essas execuções fiscais, o que o tribunal está fazendo para que elas andem?
Fábio Prieto —
 O Judiciário não pode fazer grande coisa. O que significa “ fazer andar” uma execução fiscal? É penhorar, é expropriar. Se não apresentam o devedor nem os bens, não há nada a fazer.
ConJur — As faculdades preparam os alunos para o dia a dia do Direito ou só para concursos?
Fábio Prieto —
 Seria ótimo se preparassem pelo menos para concurso. Quem se prepara para concursos são as pessoas, pelas suas necessidades.
ConJur — O fato de as vagas dos concursos para juízes não estarem sendo preenchidas é por falta de preparo?
Fábio Prieto —
 Sem dúvida. É falta de um sistema de educação eficiente. O concurso, agora, é feito para esse tipo de sistema que nós temos.
ConJur  — As súmulas vinculantes aceleram o Judiciário? Ou acabam engessando o trabalho do juiz?
Fábio Prieto —
 O conceito de súmula é neutro. Pode ser boa ou má a sua efetiva concepção. Revolucionário foi o artigo 557, do Código do Processo Civil, com o julgamento monocrático fundado na jurisprudência dominante. A consulta com o computador, nos sites dos tribunais, dispensou a burocracia judiciária para a afirmação dos precedentes. A súmula e o incidente de uniformização de jurisprudência perderam o sentido. Como reunir o Órgão Especial do tribunal para a redação de uma súmula, quando o computador já lhe diz qual é a posição dominante?
ConJur  — As metas de produtividade do CNJ são um passo interessante para isso?
Fábio Prieto — Sim. Começaram em grande número, sem foco. Hoje, evoluíram, são factíveis, bons instrumentos de gestão.
ConJur  — Como o senhor avalia o CNJ?
Fábio Prieto — Tem avanços e retrocessos, mas ainda está em fase de maturação institucional. Coisas boas foram a discussão sobre a produtividade e a fiscalização sobre as corregedorias. Uma fonte de ineficiência é a composição corporativa, que facilita a captura do órgão pelas corporações e associações. É preciso que o Supremo Tribunal Federal assuma o órgão. Vai demorar um pouco. Como ocorreu com o controle de constitucionalidade.
ConJur  — O senhor fica na presidência do TRF-3 até fevereiro de 2016. Quais são seus planos para depois disso?
Fábio Prieto —
 Tenho mais quatro anos de tribunal. Minha ideia é voltar para a advocacia. A magistratura é uma experiência muito rica. São Paulo é um país. Mato Grosso do Sul é um estado muito interessante. Tive a oportunidade de fazer a carreira completa, uma experiência sem igual.
 é editora da revista Consultor Jurídico.
 é repórter da revista Consultor Jurídico.

Revista Consultor Jurídico, 23 de agosto de 2015, 12h19