Apresentação

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Suporte a Litígios Softwares que os operadores jurídicos no Brasil ainda vão usar

Suporte a Litígios Softwares que os operadores jurídicos no Brasil ainda vão usar

Suporte a Litígios Softwares que os operadores jurídicos no Brasil ainda vão usar Na sociedade da informação, na sociedade em rede, o volume de informações estimula a demanda pelo uso de tecnologia para coleta, análise e apresentação destes conteúdos. As profissões jurídicas e o Direito não ficam imunes a este fenômeno.
Conforme anunciado na coluna da última semana[1], a feira LegalTech reuniu cerca de 200 expositores para divulgação de soluções de tecnologia da informação aplicada ao campo jurídico. A feira, ainda, destacou a atualidade e a importância de conceitos como e-discovery e information governance para o campo do suporte a litígios.
Dentro do vasto espectro de softwares que foram apresentados na referida feira, acredito que minha função é tentar agrupá-los em tipos de tecnologias e metodologias para que seja possível identificar o estado da arte das soluções disponíveis para as equipes de trabalham com informação jurídica como insumo de produção.
O termo que destaco para a reflexão de hoje é Technology Assisted Review (TAR), a tecnologia para apoio à revisão dos documentos do caso.
É, ou deve ser óbvio que escritórios e gabinetes devem possuir capacidade de gerir casos ou processos sob sua responsabilidade. Mas vamos separar dois tipos de informação para serem geridas: os metadados e o conteúdo.
É mais fácil encontrarmos soluções de tecnologia da informação para a gestão dos metadado, que são os dados sobre o conteúdo: data de entrada, prazos, responsável, arquivos de peças e quantidades são gerenciados com razoável precisão pelos gabinetes e escritórios.
Já o conteúdo é mais complicado: responder perguntas sobre o que é relevante nos milhares de arquivos e páginas de peças é para poucos. Todos os documentos organizados por data que constam no texto, bem como a soma dos valores monetários que estão escritos por extenso em cópias de Declarações de Imposto de Renda, são exemplos de domínio de conteúdo. A gestão do caso só será completa se for possível tratar, além dos metadados, do conteúdo em si.
Suporte a Litígios Softwares que os operadores jurídicos no Brasil ainda vão usar Inicialmente, uma tarefa simples seria a indexação de arquivos para que a equipe do caso possa pesquisar palavras dentro do texto (a construção de um Google do caso). Os arquivos podem estar em diversos formatos (PDF, EML, DOC, TXT...) e então o computador apresentado aí na figura abaixo poderia resolver. Ele é um appliance (junção de hardware e software otimizados para trabalhos específicos) vendido pelo Google para que sua equipe possa ter um Google só dela.
Se o orçamento não for tão alto, um Copernic Desktop Search pode resolver; se os formatos não forem tão variados, até a busca do Microsoft Windows Explorer solucionará a questão.
Mas o estado da arte de uma gestão do conteúdo do caso vai além da busca de palavras-chave. Os softwares específicos para análise jurídica conseguem resumir os documentos, construindo espécies de ementas automáticas; separar conteúdo por pessoas, empresas, locais, valores e datas; identificar tipos de documentos, como ofícios ou sentenças; e ampliar a palavra-chave para termos mais complexos, quando alimentados por ontologias descritivas do contexto do caso concreto.
Uma ressalva importante aqui é a barreira do idioma. O português é simplesmente ignorado pelas soluções que trabalham conteúdo. Esta deficiência aparece mais claramente no reconhecimento de voz, como exemplos: a suíte de ditados Dragon possui uma série de funcionalidades para advogados abandonarem o teclado e passarem a falar seus textos; o assistente pessoal Siri do iPhone permite enviar um e-mail sem a necessidade de sequer encostar no aparelho; oMicrosoft Windows responde a comandos de voz. Trata-se de uma questão de mercado e de capacidade de desenvolvimento e domínio tecnológico; afinal, para a construção de uma ementa automática o software deve dominar a sintaxe e a semântica da língua.
Continuando, os softwares de suporte a litígios atuam em diversos momentos da gestão e produção no caso. Na tentativa de descrever a abrangência deste fluxo de trabalho, cito o diagrama do CasePointsoftware da empresa @LegalDiscovery:
Suporte a Litígios Softwares que os operadores jurídicos no Brasil ainda vão usar
O diagrama descreve diversas etapas que compreendem do volume à da informação. Identificar as necessidades informacionais é pré-condição para preparar a fase de coleta e de guarda do material do caso.
Em laranja, destaquei a fase TAR, que compreende as tecnologias que apoiam a revisão, classificação, indexação e análise dos documentos do caso. É nesse ponto que essa tecnologia mais agrega valor, inclusive utilizando aprendizado de máquina para evoluir conforme o tempo de uso (machine learning é um termo ligado a técnicas de Inteligência Artificial para indicar genericamente que o computador passa a apreender com seus acertos e erros).
Finalmente, existe a fase de produção das peças do caso e a apresentação das conclusões. Como já indicado aqui[2] anteriormente, um resumo visual bem apresentado representa alta concentração de informação e relevância aprimorada.
O diagrama apresentado pela empresa é um detalhamento do ciclo de produção de informação estratégica, o qual pode ser resumido em coleta -> análise -> difusão e é encontrado na literatura em ampliações das mais variadas.
Concordo que o ponto destacado é onde a tecnologia moderna mais se concentra em desenvolver soluções, visto a importância da demanda. A tecnologia da informação possui como atualidade e também como tendência apoiar os serviços jurídicos no campo do conteúdo, ajudando na análise e produção de documentos e peças.
Marcelo Stopanovski[3] é diretor de produção da i-luminas — suporte a litígios[4] e consultor do escritório FeldensMadruga[5]. . Professor da FGV in Company com a disciplina Engenharia do Conhecimento Jurídico. Doutor em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília e mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina.

References

  1. ^ coluna da última semana (www.conjur.com.br)
  2. ^ aqui (www.conjur.com.br)
  3. ^ Marcelo Stopanovski (www.conjur.com.br)
  4. ^ i-luminas — suporte a litígios (www.suportealitigios.com.br)
  5. ^ FeldensMadruga (www.feldensmadruga.com.br)

Liberdade de Expressão: Estado não tem poder para interferir na liberdade de imprensa

Liberdade de Expressão: Estado não tem poder para interferir na liberdade de imprensa

É com grande honra que inicio a coluna que intitulamos Liberdade de Expressão aqui na prestigiosa revista eletrônica Consultor Jurídico. O assunto é sobremaneira empolgante e atinge diretamente o cidadão, individual e coletivamente, daí porque despertar grandes embates na sociedade.
Nossa coluna discutirá exatamente os assuntos que envolvem a área de comunicação no Brasil. Esperamos uma boa vida a essa coluna e contamos com a crítica positiva dos leitores, lembrando que a ideia não é a de produzir textos científicos, mas sim comentar questões do dia a dia envolvendo a comunicação, a liberdade de expressão, a atividade da imprensa e temas conexos.
Nessa quadra, a liberdade de expressão, como direito fundamental que é, compreende o direito às expressões de pensamento, de opinião, de ideia, de crença, de juízo de valor, de desenvolvimento artístico, manifestado individualmente ou através dos meios de comunicação social, entre eles a imprensa, daí em nossa coluna não fazermos distinção entre liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
Vale também a observação de que algumas doutrinas diferenciam liberdade de expressão e liberdade de comunicação. A primeira tem como característica um conteúdo subjetivo (pensamento, ideia, opinião), enquanto que a segunda possui característica objetiva, ou seja a difusão de fatos e notícias, suscetível de comprovação.[1]
Na prática, a interpretação que se faz é ampla, reunindo esses valores na utilização da locução liberdade de expressão, como há muito defendia Nelson Hungia[2], e como atualmente acontece nos Estados Unidos da América, cujo conceito do free speech usado pela doutrina norte-americana é o que acabou sendo mais utilizado no Brasil.
Acerca do assunto, longe de ser estéril, muito embora haja efetivamente uma melhor compreensão do valor constitucional da liberdade de expressão e sua importância num regime democrático, há ainda um abismo entre a ideia de imprensa livre, consubstanciada no direito constitucional de liberdade de expressão, e sua efetiva realização.
Para iniciarmos a coluna, escolhi um tema bastante importante e que deve ser fixado para que possamos compreender os demais assuntos que, ao longo deste ano, trataremos. A pergunta que fazemos é a seguinte: o direito à liberdade de imprensa permite a intervenção estatal no Brasil?
A pergunta não é em absoluto aleatória, mas ancorada em dados fáticos da nossa realidade brasileira, especialmente jurisdicional. Para falarmos de algo bem próximo, no ano passado assistimos inúmeras intervenções estatais nos veículos de comunicação. Determinação de recolhimento de revista por conta de conteúdo apontado como violador de direito da personalidade, alteração de conteúdo jornalístico publicado, retirada e alteração de material jornalístico em mídia digital, projetos legislativos para restringir conteúdo jornalístico. Será tudo isso possível à luz da Constituição Federal e da teoria assumida pelo legislador constituinte?
É sabido que a liberdade de expressão foi concebida originalmente como fortalecimento do indivíduo em face do Estado, "uma garantia constitucional de proteção de esferas de liberdade individual e social contra o poder político".[3] Ainda que para grandes doutrinas tenha a imprensa se tornado um poder social tão grande como o poder estatal, a ponto de ser necessário defender a liberdade face à imprensa, entendo que essa realidade, ainda que verdadeira, não permita intervenções estatais no conteúdo da atividade jornalística.
Partindo de interpretação que se faz da 1ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos da América[4], a doutrina consagra, em linhas gerais e bastante resumidas, duas concepções sobre a liberdade de expressão: a teoria libertária e a teoria democrática. A primeira não admite a intervenção do Estado no conteúdo da informação; a segunda, preocupada mais com o destinatário da mensagem, permite possíveis restrições ao emissor da informação.
Evidentemente, nossa proposta não é discutir a ideia das duas teorias na perspectiva do Direito norte-americano, mas há a necessidade de informar que a teoria libertária, ou seja, sem intervenção do Estado, é a que, após intenso debate acadêmico, impera no Direito Constitucional dos Estados Unidos da América. Vale reforçar que essa corrente parte da premissa de que, ainda que a imprensa possa cometer falhas em sua informação, a intervenção do Estado é sempre mais odiosa, cuja atuação tenderia a cercear e desfavorecer conteúdo que eventualmente lhe fosse prejudicial.
Ronald Dworkin, ao também analisar a liberdade de expressão através da Primeira Emenda americana, estabelece outras duas teorias. A primeira recebeu o nome de instrumental; e a segunda constitutiva. Para a concepção instrumental, o destacado filósofo reconhece que a “liberdade não é importante porque as pessoas têm o direito moral intrínseco de dizer o que bem entenderem, mas porque a permissão de que elas o digam produzirá efeitos benéficos para o conjunto da sociedade”[5]. Já para a segunda concepção da liberdade de expressão, a constitutiva, Dworkin sustenta que o Estado não é legítimo para decidir quais são as ideias dignas de serem expressadas, não podendo silenciar a sociedade de suas próprias convicções. Defende que a liberdade de expressão “é importante não só pelas consequências que tem, mas porque o Estado deve tratar os cidadãos adultos como agentes morais responsáveis, sendo esse um traço essencial ou ‘constitutivo’ de uma sociedade política justa”.[6]
 Ou seja, também o filósofo Dworkin defende, a nosso ver, a teoria libertária, na medida em que reconhece ser a liberdade de expressão um direito coletivo da sociedade, que, para assegurar o princípio da dignidade humana, não admite intervenção da própria sociedade e do Estado.
A Constituição Federal brasileira de 1988, ao contrário das que anteriormente a sucederam[7], não trouxe a possibilidade de intervenção estatal no âmbito da liberdade de expressão. Aliás, ao contrário, deixou bastante evidente no artigo 220 que não admite qualquer interferência: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição”. Também os incisos IV e IX do artigo 5º da Constituição Federal reforçam o impedimento de restrição à liberdade de expressão.
O legislador constituinte conferiu à liberdade de expressão, portanto, à atividade de imprensa, a impossibilidade de qualquer restrição por parte do Estado.
Pode-se dizer, assim, que a teoria adotada pelo Estado brasileiro no âmbito da liberdade de expressão é a teoria libertária, tal como adotou o Estado norte-americano.
Evidentemente que não se está aqui a negar que a liberdade de expressão deve ser exercida de modo compatível com outros valores de igual dignidade constitucional, como o direito à imagem, à honra e à vida privada (Constituição Federal, artigo 5º, X). Ao contrário de alguns juristas que verificam na observância desses valores a possibilidade de restrição conferida pelo legislador constituinte, defendemos que não. Os dois valores, de dignidade constitucional, são compatíveis e não excludentes, de modo que observar direitos da personalidade não traduz permissão para intervenção estatal em conteúdo jornalístico.
Se assim fosse admitido, o Estado sempre atuaria como órgão regulador, na medida em que requisitaria a avaliação prévia do que seria publicado ou, caso já publicado, determinaria sua correção, complemento ou recolhimento, valendo-se sempre de uma ideia tendenciosa de proteger seus interesses.
Em tempos outros — não tão distantes assim — já passamos pela intensiva interferência estatal nos meios de comunicação, de modo que o discurso de mitigação da plena liberdade de expressão, como imposição de regulação de conteúdo, sempre aparece aliado ao argumento de que tal interferência seria em benefício da sociedade. Ora, todo regime totalitário, toda censura, se apresentam com o propósito de proteção da sociedade, de justiça e de moralidade[8] e depois revelam suas verdadeiras intenções, a de controlar “o pensamento” dos cidadãos, tal como na crítica de George Orwell[9].
Fato é que, no atual ordenamento jurídico brasileiro, havendo abuso dos veículos de comunicação, o Estado constituinte previu a reparação civil e criminal, além do direito de resposta, como as tutelas jurisdicionais possíveis para coibir os excessos.
Portanto, de acordo com o texto constitucional, convictos estamos que a teoria adotada pela Constituição da República do Brasil é a libertária; melhor do que qualquer título a identificar a ‘coisa’ é compreender o seu significado, de modo que o constituinte brasileiro não permite, sob qualquer forma, a intervenção estatal, por qualquer dos seus poderes constituídos.
Não me parece que esse entendimento diverge da orientação normativa aplicada pelo Supremo Tribunal Federal. A propósito, no julgamento da ADPF 130, que discutia exatamente a impossibilidade de compatibilização da Lei de Imprensa (5.250/67) com a Constituição vigente no país, a Corte Constitucional fundamentou seu voto na impossibilidade de coexistir a liberdade de expressão e a censura num mesmo regime jurídico, condenando de modo enérgico a segunda:
Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidigitação jurídica.
(...)
A uma atividade que já era livre (incisos IV e IX do art. 5º), a Constituição Federal acrescentou o qualificativo de ‘plena’ (§1º do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo.
(...)
Tirante, unicamente, as restrições que a Lei Fundamental de 1988 prevê para o ‘estado de sítio’ (art. 139), o Poder Público somente pode dispor sobre matérias lateral ou reflexamente de imprensa, respeitada sempre a ideia-força de que quem quer que seja tem o direito de dizer o que quer que seja. Logo, não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos ou jornalistas.
A conclusão que chegamos de que o poder estatal constituído não pode intervir na liberdade de expressão, e, portanto, na liberdade de imprensa, é fundamental para, a partir das próximas colunas, compreendermos a atividade jornalística e seu valor estrutural na sociedade democrática brasileira, que pode ser muito bem resumido pela célebre declaração de Thomas Jefferson[10]: “Se tivesse que decidir se devemos ter governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não vacilaria um instante em preferir o último”.
 
[1] Faria, Edilson. Liberdade de Expressão e Comunicação. São Paulo: RT, 2004, p.55
[2] Hungria, Nelson. A nova lei de imprensa. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955, vol. 162, p. 9
[3] Mendes, Gilmar. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Ed. Saraiva, p. 655
[4] “O Congresso não legislará no sentido de estabelecer uma religião ou de proibir o seu livre exercício, ou para limitar a liberdade de palavra, ou de imprensa, ou o direito do povo de reunir-se pacificamente e de pedir ao Governo a reparação de seus agravos”
[5] O direito da liberdade: a leitura moral da Constituição norte-americana. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 318
[7] Constituição de 1824, art. 179, IV; Constituição de 1891, art. 72, § 12; Constituição de 1934, art. 113, 9; Constituição de 1937, art. 122, 15; Constituição de 1946, art. 141, § 5º; Constituição de 1967/1969, art. 153, § 8º
[8] “...em todos os tempos e em todos os lugares, da prepotência ou de outras perversões ocultas. Ao contrário, como regra, ela destrói em nome da segurança, da moral, da família, dos bons costumes. Na prática, todavia, oscila entre o arbítrio, o capricho, o preconceito e o ridículo. Luís Roberto Barroso, ‘Liberdade de Expressão, Censura e Controle da Programação de Televisão na Constituição de 1988’ in Temas de Direito Constitucional, 2001, p. 345-6.
[9] Revolução dos Bichos
[10] Estadista norte-americano e ex-presidente dos EUA
Alexandre Fidalgo[1] é advogado e sócio do escritório Espallargas Gonzalez Sampaio Fidalgo Advogados.

References

  1. ^ Alexandre Fidalgo (www.conjur.com.br)

Como se produz um jurista em alguns lugares do mundo? (Parte 3)

Como se produz um jurista em alguns lugares do mundo? (Parte 3)

Como se produz um jurista em alguns lugares do mundo? (Parte 3) Heinrich Heine, a alma inquieta do judeu-alemão que viveu a passagem do Antigo Regime para a Europa pós-revolucionária, escreveu o opúsculo Viagem ao Harz, que narra a desilusão de um jovem estudante de Direito e o abandono de seu curso na Universidade de Gotinga.[1] As razões? O ensino entediante e os excessos de bebedeiras, trotes e a brutalidade de seus colegas. Ele estava cercado por professores aborrecidos e estudantes mais preocupados com carraspanas e festas promovidas pelas Burschenschaften, as sociedades secretas de alunos, baseadas nos princípios do liberalismo e do nacionalismo alemão e que tiveram louvável atuação contra o absolutismo no Oitocentos. No Brasil, essa tradição dasBurschenschaften chegou-nos por meio da mítica figura de Julius Frank, também aluno na Universidade Gotinga, e que lecionou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde está seu túmulo. A corruptela dessa palavra alemã é Bucha, como ficou conhecida idêntica corporação de alunos e que teve, durante o século XIX e parte do XX, enorme influência na política nacional (Abolição, República e Revolução de 1932). Getúlio Vargas ter-se-ia lastimado ao afirmar que era impossível governar com a Bucha.
Os estudantes estiveram no centro das lutas pela unificação alemã, muitos deles tendo-se engajado nas guerras bismarckianas, e também foram os primeiros a apoiar a entrada da Alemanha na Primeira Guerra Mundial. No século XX, a maioria deles uniu-se ao nazismo, embora alguns poucos hajam protagonizado episódios de heroísmo, como Sophie Scholl, Hans Scholl e Cristoph Probst. Esses três jovens, guilhotinados em 1943 pela Polícia Secreta do Estado, distribuíram panfletos na Universidade de Munique nos quais denunciavam o regime e o fracasso militar na frente russa. É célebre a frase de Sophie Scholl: “O povo alemão vem sendo enganado sob o prestígio de uma fraude”. Em seus infames julgamentos no Tribunal do Povo, mantiveram-se firmes em suas posições contra o regime.
Na segunda metade do século XX, muitos estudantes envolveram-se na luta antinuclear, no movimento ecológico e com as ações terroristas da Fração do Exército Vermelho, mais conhecida como Grupo Baader-Meinhof, que cometeu vários atentados nos anos 1970.
Os estudantes são a classe idealizada em nosso tempo graças à sua enorme generosidade de morrer por causas às vezes perdidas, mas que é a classe  também capaz de enormes equívocos e desatinos históricos, como os já apontados.  É sobre os estudantes de Direito na Alemanha, sua formação, as disciplinas, as avaliações e o método de ensino jurídico de que se ocupará a coluna de hoje.
A coluna, em diversas passagens, terá por fonte o artigo de Tilman Quarch, intitulado Introdução à hermenêutica do direito alemão: der Gutachtenstil, publicado na Revista de Direito Civil Contemporâneo, v.1, outubro-dezembro de 2014, p.251 e seguintes, que pode ser considerado um marco doutrinário sobre o ensino jurídico alemão em língua portuguesa.
Contraste com três “mitos” do ensino jurídico brasileiro
Se o Direito alemão é reconhecidamente o melhor da Europa e se as faculdades de direito da Alemanha ocupam posição de preeminência no mundo, tal se deve pela bem-sucedida combinação do estudo dos casos e do profundo conhecimento dos códigos. E, por um terceiro ingrediente: a acentuada especialização do estudo jurídico.
Já aqui se apresentam três “verdades inconvenientes” para muitos que criticam o ensino jurídico no Brasil e que defendem alternativas a nosso modelo. Vamos a esses interessantes contrastes.
Sim, virou um chavão condenar-se o estudo do Direito sob a óptica das codificações. Na verdade, mais do que um chavão, tem-se um consenso em torno desse tema, o que resulta do bem sucedido projeto de demolição das estruturas do formalismo jurídico e de uma das faces do positivismo, que se iniciou na década de 1950, ganhou fôlego nos anos 1980 e, com a nova Constituição, se tornou hegemônico no país.
A caricata figura do velho professor que decorava o código e recitava-o para os alunos, com paráfrases ou adendos estéreis, é hoje um espantalho muito fácil de ser atacado. Embora ele ainda exista, deu-se sua substituição, em muitos casos, por três espécies: (a) o reprodutor da jurisprudência (sem criticá-la e sem desconstrui-la);  (b) aquele que ignora por completo a doutrina e se vale apenas do “que é justo” (algo como “decido conforme minha consciência” aplicado a docentes) ou (c)  por  quem só expõe o que “cai nos concursos”. Até mesmo pensadores progressistas, que lideraram o movimento de reforma desde os anos 1980-2000, estão na linha de frente contra esse “novo” modelo, como é o caso de Marcelo Cattoni (a preocupação com a integridade e a legitimidade democrática do Direito) e Lenio Streck (a crítica ao solipsismo e à banalização do conhecimento jurídico), para ficarmos com dois dos mais representativos.
Os alemães estudam os códigos sim. E muito! Não os temem e nem os depreciam. Nos dias que correm, trata-se indiretamente de uma homenagem ao legislador democrático.
E como isso se dá?  Por meio da combinação do conhecimento da lei, com os refinamentos da doutrina e da jurisprudência, com o chamado métodopigeonhole, pois “uma argumentação meramente abstrata é tão inapta para achar soluções viáveis quanto aquela argumentação que se prende aos fatos”.[2]
O método pigeonhole exige dos alunos a solução de casos que se aproximam da prática forense. Os estudantes aprendem para “pensar” e redigir pareceres ou sentenças, como quem resolve problemas postos pelas parte no Judiciário. A hermenêutica alemã, como salienta Tilman Quarch, organiza-se em torno doGutachtenstil, que se estrutura em 3 elementos: os fatos, as leis e as relações entre ambos. Formam-se os silogismos aristotélicos típicos para se oferecer uma resposta a um caso muito próximo do real: (1) premissa maior (Obersatz); (2) premissa menor (Untersatz) e (3) conclusão (Schlussfolgerung).[3]
Trata-se de um método...subsuntivo. Sim, meu caro amigo. Lamento informar-lhe mas a subsunção não é uma velharia, um artigo exposto na vitrine de um belchior qualquer. É algo útil e ainda extremamente central no melhor ensino jurídico da Europa. Conforme Tilman Quarch: “Sendo que a subsunção corresponde à aplicação de regras (rules) e a ponderação à aplicação de princípios (principles) do sistema dworkiano, aquela técnica predomina nos ramos civil e penal do direito alemão, enquanto essa é mais frequente no direito público, mais precisamente no direito constitucional”. A entrada da ponderação dá-se em situações específicas, quando se analisa o caso à luz  da “eficácia indireta” dos direitos fundamentais em relação aos privados ou no uso do “princípio da segurança jurídica no âmbito do direito penal” [4].
O estudo silogístico tem início desde o primeiro ano da faculdade. No Direito Civil, ainda se segue a interpretação escalonada (gramatical, histórica, sistemática e teleológica), com a utilização eventual e nos casos em que isso cabe da “interpretação conforme à Constituição” e da europarechtskonforme Auslegungen(interpretação conforme o direito europeu).[5]  Ainda com ênfase no Direito Civil, o aluno é chamado a, antes de iniciar a solução de um caso, tentar responder às perguntas: Wer will was von wem woraus? (Quem quer, o que quer, de quem se quer, com base em que se quer?)[6]
O terceiro “mito” está na formação internacionalizada e multidisciplinar. O aluno alemão aprende conceitos básicos de Direito Civil, Direito Penal e Direito Constitucional, o eixo central dos currículos, além de outras matérias, que são variáveis conforme a autonomia das universidades e a superposição de legislação federal e dos Länder. É bem provável que um aluno de graduação ou mesmo de pós-graduação em uma dessas disciplinas não conheça muito sobre grandes juristas (ou filósofos do Direito) de outras áreas. A solução dos problemas é jurídica e não se socorre da mediação sociológica ou filosófica. Entende-se que há muito o que se aprender em sua especialidade e não há tempo para se saber “pouco de muito” e sim “muito de pouco”.
Tal se opera também na despreocupação com o Direito estrangeiro, embora haja cada vez maior afluência de alunos interessados em Direito Europeu, o que se explica pela enorme interpenetração das diretivas da União Europeia com as normas internas.  Esse alheamento talvez mude em razão do crescente intercâmbio de alunos europeus, como parte de sua formação no bacharelado.
A causa mediata dessa especialização e da centralidade das disciplinas dogmáticas, especialmente o núcleo Civil-Penal-Constitucional, é a “humildade” alemã em saber dos limites de um conhecimento profundo sobre temas jurídicos e não jurídicos. O respeito ao ofício do sociólogo ou do filósofo faz com que se não busque um saber superficial sobre certos temas. É evidente que o aluno que pretende seguir carreira acadêmica nessas áreas ou mesmo nas disciplinas mais dogmáticas deve procurar uma formação complementar que lhe dê esses referenciais. A diferença é que se não coloca esse tipo de conhecimento como central e universal para os estudantes.
O estudo dos casos como método central funcionaria no Brasil?
Eis uma pergunta que me intriga. A resposta, embora não seja definitiva para mim, é negativa. O estudo dos casos não resistiria por duas razões. A primeira está em que não uma deferência institucional às respostas “corretas” dos casos, tal como se dá na Alemanha. Dito de outro modo: há um enorme respeito social pelas respostas aos exames (sobre os quais se falará na próxima coluna), elaborados pelos professores, ainda que exista alguma crítica se formando em torno disso. A segunda é que o próprio modelo se estruturou com base em técnicas de subsunção, com esteio no fundamento legal (com o já referido grau de refinamento doutrinário e jurisprudencial). No Brasil, tem-se o incrível consenso de que “não há uma resposta correta”, o que é um efeito natural de um Direito que se louva (no campo jurisprudencial) em “decido conforme minha consciência” (Lenio Streck) e no qual muitos juízes e professores entendem ser desnecessário usar a lei como baliza para suas decisões ou posições em classe. Se toda resposta é válida, se qualquer fundamento é aceitável, se o Direito é “sentimento”, “vontade” ou “bom senso”, como dizer que a resposta de um aluno para o caso proposto com suporte no pigeonhole é insusceptível de contestação?
Um exemplo desse grave problema, que só avança no Brasil, está na forma como as questões dos concursos públicos e dos exames de Ordem são hoje apresentadas aos milhares de candidatos. Salvo raras exceções, notáveis em certas carreiras que ainda organizam as provas com bancas internas e para poucos candidatos (comparados a outras carreiras), os examinadores tentam fugir da praga da judicialização, um movimento crescente hoje em ordem a se contestar os resultados das provas. E para isso as bancas têm cobrado cada vez mais questões sobre posições da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça ou do texto da lei. Ao menos assim são reduzidas as hipóteses de contestação judicial das respostas. Embora, por descuido do examinador, algumas anulações sejam obtidas pois a questão ignorou posições divergentes na mesma corte (orientação da 1ª Turma e que não é seguida pela 2ª Turma do STJ, por exemplo).
Por consequência, além de sua própria autodepreciação, a doutrina perde a cada dia sua importância por efeito do empobrecimento generalizado da cultura jurídica e da morte da “alta literatura jurídica”, encalhada nas livrarias e vetada pelos editores ciosos de não terem prejuízos certos em seus balanços anuais.
Antes que me acusem do que não eu disse
Uma coluna com tantos dados e informações contrários ao lugar-comum sobre o ensino jurídico poderá ser mal interpretada ou mesmo distorcida por pessoas menos honestas intelectualmente. É necessário, portanto, explicar o que não foi dito e o que foi realmente afirmado.
Primeiro, não se pôs em causa o valor da interdisciplinaridade, internacionalização, das disciplinas como Filosofia ou Sociologia. Fez-se a descrição de um modelo bem sucedido de ensino do Direito na Europa e no qual esses elementos são pouco relevantes em sua essência. A despeito disso, o modelo alemão funciona e bem. Dizer que a eliminação desses elementos é a chave para um bom currículo não pode ser inferido do que eu escrevi. É legítimo defendê-los, mormente em um país tão pobre de conhecimentos não jurídicos, mas não se pode, de modo empírico, afirmar que sua inclusão irá melhorar de per si o ensino jurídico.
Segundo, o ensino com base no conhecimento profundo da legislação soa como heresia no Brasil. A Alemanha mostra que isso não é de per si negativo, especialmente quando se combina a lei com o estudo dos casos. Não se pode confundir a leitura ou a paráfrase de códigos, à moda dos antigos professores, com o modelo alemão. No entanto, ensino com base nos códigos é  muito importante na Alemanha para disciplinas como o Direito Civil ou o Direito Penal, assim como o silogismo é bastante respeitado.
Terceiro, há críticas na Alemanha a esse modelo autocentrado de ensino jurídico. E não são poucas. O sucesso do modelo, porém, faz com que ele se preserve. Sob o prisma consequencialista, ele funciona. Se é o ideal, eis um ponto discutível.
Quarto, há sérios experimentos no Brasil sobre o estudo dos casos, como se encontra na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP, conduzido, por exemplo, pelo professor Luciano Camargo Penteado. São exemplos que podem ser explorados. A dúvida que se coloca nesta é coluna está na possibilidade de sua universalização em um sistema viciado pela judicialização, pelo baixo respeito à autoridade do professor e pela ausência de um consenso social sobre a respeitabilidade da “resposta correta”.
E na próxima semana?
A coluna sobre a Alemanha se estendeu mais do que o autor imaginava. Na próxima semana, encerrar-se-á o exame do modelo alemão com a apresentação sobre o Segundo Exame de Estado, a relação dos alunos com a universidade e, se houver espaço, o problema dos cursinhos. Na sequência, o ensino jurídico em Portugal.
 
[1] O livro Viagem ao Harz foi traduzido para o português por Maurício Mendonça Cardoso e editado pela 34, de São Paulo, no ano 2013.
[2] QUARCH, Tilman. Introdução à hermenêutica do direito alemão: der Gutachtenstil.Revista de Direito Civil Contemporâneo, v.1, outubro-dezembro de 2014, p.251.
[3] QUARCH, Tilman. Op. cit., loc. cit.
[4] QUARCH, Tilman. Op. cit., loc. cit.
[5] QUARCH, Tilman. Op. cit., loc. cit.
[6] QUARCH, Tilman. Op. cit., loc. cit.

Otavio Luiz Rodrigues Junior[1] é professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página[2].

References

  1. ^ Otavio Luiz Rodrigues Junior (www.conjur.com.br)
  2. ^ página (www.direitocontemporaneo.com)

Demora de banco em estornar saques indevidos gera danos morais

Demora de banco em estornar saques indevidos gera danos morais

A demora do banco em estornar valores sacados indevidamente da conta de cliente gera danos morais. Esse foi o entendimento que levou a 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal a reformar sentença de 1ª instância e condenar o Banco de Brasília a pagar R$ 3 mil de indenização a um cliente.
Conta o autor que entre os dias 16 e 17 de novembro de 2012 foram feitos quatro saques em sua conta bancária, no total de R$ 4 mil. Além disso, foi contratado um empréstimo no valor de R$ 12 mil. Todas as operações foram fraudulentas e, apesar de o banco ter ciência dos fatos, o montante só foi estornado no dia 1 de fevereiro do ano seguinte.
Ainda segundo o cliente, a demora comprometeu sua saúde financeira, já que teve que recorrer a amigos e parentes para conseguir cumprir seus compromissos pessoais. Na ação, ele pediu a condenação do banco por danos materiais e morais.
Em sua defesa, o banco disse que a fraude foi detectada pela própria instituição, comunicando-a ao cliente, e que devolveu todos os valores. O banco ainda culpou o próprio cliente pela demora no estorno, alegando que ele demorou a providenciar o boletim de ocorrência que havia feito e que, segundo a instituição, seria necessário para formalizar o estorno.
Na 1ª instância, o juiz da 4ª Vara da Fazenda Pública do DF condenou o banco a pagar R$109,89 a título de correção monetária do montante sacado e julgou improcedente o dano moral pleiteado.  Mas com o recurso do cliente, a 3ª Turma do TJ-DF reformou, por decisão unânime, a sentença.
De acordo com o colegiado, as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos causados ao consumidor em virtude da má prestação do serviço, independente de culpa, com fundamento na teoria do risco da atividade (artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor).
Ainda segundo os julgadores, a realização de saques indevidos na conta corrente de cliente, mediante fraude praticada por terceiros, gera o dever sucessivo de a instituição financeira compensar os danos morais, se não estorna os valores indevidamente sacados para a conta do cliente em tempo razoável e deixa seu saldo negativo e desprovido de numerário para as despesas usuais. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJDFT
Processo 2013.01.1.006916-5

José Jacomo: Honorários de sucumbência no novo CPC é contra-senso

José Jacomo: Honorários de sucumbência no novo CPC é contra-senso

A mídia independente criticou certeiramente o desvio dos honorários de sucumbência institucionalizado no novo Código de Processo Civil (Lobby eficaz — mordida nos chamados honorários de sucumbência, Hélio Schwartsman, Folha de S.Paulo, 27/12/14). É muito triste ver um dos mais importantes diplomas legais do país ser aparelhado em detrimento dos jurisdicionados, consumidores de serviço público, parte frágil no processo judicial. Em tempo de transparência, lealdade e proteção aos hipossuficientes, o novo CPC entra para história com um medonho retrocesso, como o código que preteriu os jurisdicionados brasileiros.
O CPC em vigor determina que o vencido automaticamente pague ao vencedor todas as despesas do processos (honorários, custas, viagens, diárias, remuneração e outras despesas necessárias - art. 20). Quantos aos honorários do advogado, para evitar que o vencido fique atrelado ao valor combinado entre o vencedor e seu advogado, o CPC atual determina que o juiz arbitre na sentença o valor razoável a ser indenizado, indicando critérios. É obrigação do procurador judicial, além da pretensão principal, comprovar e pleitear integral indenização das despesas do processo em favor de seu cliente, assim realizando os princípios da reparação integral, devido processo legal substantivo e o ideal de justiça.
O novo CPC, aproveitando espaço de desinformação e fragilidade dos jurisdicionados, transfere a verba indenizatória dos honorários, de titularidade natural e funcional do vencedor do processo, para o advogado do vencedor do processo. Com o novo CPC, o advogado do vencedor recebe os honorários contratuais que costumeiramente combina com seu cliente e mais a verba indenizatória do vencedor fixada automaticamente pelo Judiciário (art. 85), inconstitucionalmente transformada em taxa corporativa progressiva por instância e incidentes, podendo chegar a total superior a 40% do crédito.
Em um caso típico de ação previdenciária de um trabalhador cobrando auxílio-doença do INSS, por exemplo, com condenação no valor total de R$20 mil, processo de baixa complexidade, correntes na Justiça Federal e Estadual, com honorários contratuais de 30% (como costuma acontecer na imensidão do Brasil) e mais honorários corporativo do novo CPC em 20% (por hipótese, considerando a progressividade por instância e incidentes), o advogado poderá receber até R$ 10 mil (R$ 6 mil + R$ 4 mil, respectivamente),  chegando a 50% do crédito reconhecido judicialmente.
Por outro lado, o trabalhador segurado, no exemplo posto, recebe apenas 70% do seu sagrado direito. Caso pretenda receber o valor gasto com honorários de seu advogado (30%), tem que propor nova demanda, depender novamente de advogado, honorários contratuais novamente, criando uma insana e demorada ciranda de processos para receber despesa de processo anterior. A nova regra dos honorários de sucumbência é um contra-senso, uma maldade para os milhões de jurisdicionados, em milhões de processos, mais uma distorção do serviço público, nas "barbas da Justiça", mais "custo Brasil".  Como melhorar a funcionalidade e credibilidade no Judiciário com estruturas jurídicas distorcidas?
Não é ojeriza ou perseguição contra os honorários dos advogados, mas sim uma resistência cívica contra essa distorção legislativa, que prejudica os jurisdicionados e impossibilita a realização de processo judicial justo. Assim como os demais profissionais, os respeitáveis advogados devem ser dignamente remunerados. Expertos em direito, combinam os seus honorários por contrato, não havendo justificativa para lei expropriadora contra os jurisdicionados, destinatários do processo e tecnicamente dependentes, merecedores de especial proteção legal.
O novo CPC carrega defeito ético ao preterir os jurisdicionados, sujeitos principais do processo. Carrega também defeito técnico, pois não resolve completamente o litígio. Paradoxalmente, confirmando desconformidade lógica, o novo CPC manda ressarcir automaticamente as despesas menores (custas, diárias, honorários de assistentes, despesas de viagem), deixando sem indenização a despesa de maior valor, os honorários pagos pelo vencedor do processo ao seu advogado. O código de processo, que deveria ser uma barreira contra avanços e distorções, agasalha desvio contra os cidadãos que são obrigados a buscar o Judiciário para realizar seus direitos.
A leitura do poderoso artigo 85 (19 parágrafos e vários incisos) do novo CPC confirma o lamento do jurista Nelson Nery Jr, por outro motivo: "faltou ouvir o povo sobre o novo CPC" (Jornal O Estado de S. Paulo, 17/12/14). O sábio grego Anachase já falava de uma tendência dos fortes mudarem a lei em benefício próprio. Cabe aos órgãos de defesas dos mais frágeis e promoção da justiça – Ministério Público, Ministério da Justiça, Procons, sindicatos, ongs, juristas e magistratura – lutar contra o estabelecimento de injustiças.
Não bastasse, a nova regra, por contrariar a lógica do sistema processual, vai trazer novas complicações em sua  aplicação. Por exemplo: 1) o artigo 85 busca fixação de honorários justos. Como o julgador vai chegar ao valor justo sem considerar o que o advogado vai receber de honorários contratuais? Será necessário a juntada do contrato de honorários no processo para correta avaliação? 2) considerando que os honorários fixados passam a ser direito autônomo do advogado, quem tem legitimidade de recorrer quanto ao valor ou destinação diversa dos honorários de sucumbência? 3) em caso de mudança de advogado no correr do processo (direito do cliente), como fica a legitimidade para recorrer dos honorários judiciais? 4) supondo (o que não tem acontecido) que o advogado faça pedido de ressarcimento dos honorários contratuais no mesmo ou em novo processo (artigo 389 do Código Civil), o vencido vai pagar duas vezes honorários de sucumbência? e 5) caso haja recurso somente para elevar os honorários e seja improcedente, quem paga os honorários recursais? 
O panorama é de grave injustiça para o jurisdicionado e mais confusão processual. O novo CPC, nesse ponto, está contra o espírito de seu tempo e entra para história com uma cruel virada contra o povo brasileiro.  É uma pena.

Embrulho ou imbróglio — a polêmica sobre as sacolas plásticas

Embrulho ou imbróglio — a polêmica sobre as sacolas plásticas

A distribuição e venda de sacolas plásticas por estabelecimentos comerciais é um tema que vem despertando crescente interesse da sociedade, até porque gera conflito entre duas coletividades. De um lado, temos os consumidores que necessitam de um meio para acondicionamento e transporte dos produtos adquiridos em mercados, farmácias etc., e, de outro, o interesse da coletividade na preservação ambiental, especialmente em relação aos meios de produção e à forma de descarte de produtos à base de plástico.
Nesse contexto, a Lei Municipal de São Paulo 15.374/2011, com o declarado propósito de preservação do meio ambiente local, estabeleceu a proibição de distribuição gratuita ou venda de sacolas plásticas aos consumidores para o acondicionamento e transporte de mercadorias adquiridas em estabelecimentos comerciais no município de São Paulo.
De início, cumpre mencionar que a referida lei somente faz menção à proibição de sacolas plásticas, não havendo qualquer restrição à distribuição ou à venda de sacolas confeccionadas a partir de outros materiais, como papel ou feltro, por exemplo. Na verdade, o parágrafo único do artigo 1º da Lei recomenda, aos estabelecimentos comerciais, estimularem o uso de sacolas reutilizáveis, assim consideradas “aquelas que sejam confeccionadas com material resistente e que suportem o acondicionamento e transporte de produtos e mercadorias em geral”.
Importante esclarecer que a lei utiliza o termo genérico “estabelecimentos comerciais”, sem qualquer distinção do ramo de atividade, ou seja, aplica-se a todos os estabelecimentos que forneçam sacolas plásticas aos seus consumidores.
A referida legislação municipal está em prefeita sincronia com o disposto no artigo 225 da Constituição Federal, que impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente, in verbis:
“Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Dessa forma, tratando-se de legislação cujo objetivo é a preservação ambiental, e sendo este um dever de todos, conclui-se que todos os estabelecimentos comerciais estabelecidos na cidade de São Paulo foram abarcados pela referida lei a partir de sua promulgação.
Também restou definida, no artigo 2º da Lei, uma obrigação acessória aos estabelecimentos comerciais, mais especificamente, a de afixar placas informativas, com as dimensões de 40 cm x 40 cm, junto aos locais de embalagem de produtos e caixas registradoras, com o seguinte teor: "POUPE RECURSOS NATURAIS! USE SACOLAS REUTILIZÁVEIS".
O descumprimento das referidas obrigações por qualquer estabelecimento comercial localizado no município de São Paulo pode acarretar penalidades e/ou multas. Embora a Lei Municipal não tenha definido as penalidades e/ou multas, determina, nesse ponto, que seja aplicada subsidiariamente a Lei Federal 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, o que inclui multa - cujo valor pode ser fixado entre R$ 50 e R$ 50 milhões.
Importante informar que o Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo ajuizou, em Junho de 2011, a Ação Direta de Inconstitucionalidade[1], visando à declaração da inconstitucionalidade da Lei Municipal 15.374/2011, sob o argumento de que questões referentes ao meio ambiente seriam de competência legislativa concorrente entre a União e os Estados, restando aos Municípios apenas cumprir e regulamentar legislação estadual ou federal. Também sustentou o referido Sindicato que a lei interfere na Administração Pública e prevê de modo genérico a aplicação de penalidades, não proporcionado adequada gradação conforme a gravidade da infração, o porte econômico do infrator, a conduta e o resultado.
O processo foi distribuído ao Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, sendo que, em 29 de Junho de 2011, o Relator, desembargador Luis Pantaleão, concedeu liminar para suspender a eficácia da Lei Municipal 15.374/2011. No entanto, o pleno do Órgão Especial, em 1º de Dezembro de 2014, julgou improcedente a ação, sob o fundamento de que os municípios também são competentes para legislar sobre assuntos que envolvam a preservação do meio ambiente local. Também restou consignado que a lei não contraria o princípio da liberdade econômica, nem os princípios da tipicidade, razoabilidade e proporcionalidade ao dispor sobre penalidades.
Note-se, entretanto, que contra essa decisão foram opostos Embargos de Declaração, sendo que após o julgamento destes, caberá, ainda, a interposição de Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, o qual, a princípio, não tem efeito suspensivo.
De todo modo, é certo que após a revogação expressa da liminar pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, a Lei Municipal teve sua eficácia restabelecida, podendo ser aplicada de imediato.
Destaca-se que a Lei Municipal 15.374/2011 não prevê a necessidade de regulamentação das matérias ali veiculadas, tampouco o acórdão proferido pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo estabelece obrigação de promulgação de Decreto para dar cumprimento à Lei. No entanto, a atual administração da Prefeitura de São Paulo, em seu site oficial, informou que pretendia expedir decreto para regulamentar a lei, para permitir “a distribuição de sacolinhas plásticas, de um único tipo, com os mesmos padrões de cor, resistência e dimensão”.
Nesse contexto, foi promulgado, em 6 de Janeiro de 2015, o Decreto Regulamentar 55.827/15, que determina a utilização de uma sacola padronizada para distribuição pelos estabelecimentos comerciais localizados no município de São Paulo a partir de 05 de fevereiro de 2015 (artigo 6º), sendo que, em 15 de janeiro de 2015, a Administração Municipal de Limpeza Urbana de São Paulo publicou a Resolução 55 com as especificações das sacolas.
Dessa forma, por conveniência política da atual administração pública municipal de São Paulo, a partir de 5 de Fevereiro de 2015, todos os estabelecimentos comerciais localizados na cidade de São Paulo que pretendam distribuir ou vender sacolas plásticas aos seus consumidores deverão adaptá-las segundo as diretrizes estabelecidas pela Resolução 55 da AMLURB.
Nesse ponto, o Decreto Municipal e o Regulamento estão em descompasso com a Lei Municipal que apenas permitia o fornecimento de sacolas plásticas em três hipóteses: embalagens originais das mercadorias; embalagens de produtos alimentícios vendidos a granel; e embalagens de produtos alimentícios que vertam água.
O Decreto 55.827/15 também cria novas obrigações que não foram previstas na Lei Municipal 15.374/11, uma vez que estabelece sanções àqueles que descartarem irregularmente as sacolas fornecidas pelos estabelecimentos comerciais.
Na verdade, o Decreto Regulamentar e o Regulamento são espécies de normas hierarquicamente inferiores à lei, cuja finalidade é pormenorizar as disposições gerais e abstratas daquela, viabilizando sua aplicação em casos específicos. Daí não ser permitido que venham criar direitos e obrigações ou, ainda, modificar matéria estabelecida na Lei que regulamentam.
Por essa razão, todas as autuações derivadas do Decreto Regulamentar 55.827/15, seja aos estabelecimentos comerciais que distribuírem sacolas fora dos padrões estabelecidos na Resolução 55 da AMLURB, seja aos consumidores que descartarem irregularmente essas sacolas, poderão, em tese, ser discutidas nas vias judiciais[2].
O que se percebe, portanto, é que o tema ainda atrairá muita atenção da mídia e dos tribunais, seja pela possibilidade de decretação de inconstitucionalidade da Lei Municipal 15.374/11 pelo Supremo Tribunal Federal, seja pela decretação de nulidade pela via judicial das autuações extraídas do Decreto 55.827/15.
Independentemente do desenrolar desse embrulho ou imbróglio, uma coisa é certa: hoje todos os estabelecimentos comerciais localizados em São Paulo têm obrigação de adaptar as sacolas plásticas distribuídas aos seus consumidores, os quais, por sua vez, estão obrigados a realizar o descarte dessas sacolas de acordo com  a norma.

[1] Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0121480-62.2011.8.26.0000
[2] “AÇÃO ANULATÓRIA DE ATO ADMINISTRATIVO - Antecipação de tutela concedida - Multa indevidamente aplicada - Conflito de normas municipais - Decreto contrário a Lei Ordinária Municipal - Hierarquia das normas - Supremacia da Lei Ordinária sobre Decreto - Anulação do ato administrativo fundado em decreto ineficaz e/ou inválido - Recurso não provido” (TJ-SP - Apelação 990102438481, j. 09/08/2010).

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Faltas reiteradas ao serviço caracterizam desídia e autorizam dispensa por justa causa

Faltas reiteradas ao serviço caracterizam desídia e autorizam dispensa por justa causa

Desídia: negligência, desleixo, preguiça, desatenção, relaxamento, má vontade. As normas trabalhistas preveem faltas que, se isoladamente não são consideradas graves, a sua repetição torna insustentável a manutenção do vínculo empregatício, autorizando até mesmo a rescisão do contrato por justa causa. Ou seja, se o empregado atua de forma desidiosa na prestação de serviços, o empregador pode dispensá-lo por justa causa, desde que, a cada uma das faltas anteriores, tenha aplicado as devidas medidas repreensivas ou punitivas.
Em um caso analisado pelo juiz Ordenísio César dos Santos, em sua atuação na 5ª Vara do Trabalho de Betim-MG, um auxiliar de produção, inconformado com a sua dispensa por justa causa fundada na desídia no desempenho das funções (artigo 482[1], alínea e, da CLT[2]), tentava reverter essa situação. Para a empresa, a ocorrência de faltas constantes ao trabalho sem apresentar justificativas legais autorizaram a ruptura contratual nessa modalidade. Mas, para o trabalhador, houve retaliação decorrente do ajuizamento de reclamatória trabalhista, já que suas faltas foram devidamente justificadas mediante atestado médico. Como afirmou, a pretensão da empresa seria, apenas, a de reduzir o valor rescisório mediante um acordo de valor baixo.
Mas, após analisar as provas, o magistrado constatou que a dispensa por justa causa decorreu das faltas reiteradas do reclamante ao trabalho, sem justificativa, e não do ajuizamento da reclamação trabalhista. Como verificou, o auxiliar de produção foi advertido oralmente uma vez, conforme reconhecido em depoimento pessoal, e outras duas vezes por escrito. Também levou uma suspensão e, finalmente, foi dispensado por justa causa, pelos mesmos motivos: faltas injustificadas ao trabalho. Portanto, o juiz entendeu evidente a prática da desídia no desempenho das funções pelo ex-empregado.
O magistrado destacou que as faltas constituem violação séria de uma das principais obrigações do contrato de trabalho, destruindo a confiança depositada no empregado. Por essas razões, manteve a justa causa aplicada ao reclamante. A decisão foi confirmada pela 4ª Turma do TRT mineiro.
0002349-12.2012.5.03.0142 RO )