Apresentação

sábado, 22 de novembro de 2014

A Justiça e o Direito nos jornais deste sábado

A Justiça e o Direito nos jornais deste sábado


Reportagem da Folha de S.Paulo diz que Júlio Marcelo de Oliveira, procurador de contas junto ao Tribunal de Contas da União requereu ao tribunal a declaração de inidoneidade de oito das principais empresas de construção civil do Brasil pela ligação delas às suspeitas de corrupção na Petrobras, investigadas da operação lava jato. Com isso, as empresas ficariam impedidas de licitar ou contratar órgãos da administração pública federal por um prazo de até 5 anos.
Altas proporções
Pela primeira vez, o Ministério Público Federal comparou o esquema de desvio de recursos públicos e pagamento de propina revelado pela "lava jato" ao escândalo do mensalão. Segundo o levantamento, a operação já superou o que é considerado o maior caso julgado no Supremo. Segundo o Estado de S.Paulo, a comparação foi utilizada para justificar a manutenção das prisões preventivas de alguns dos executivos das empreiteiras envolvidas no caso.
Por ordem maior
Em nota, a Petrobras afirmou que sua presidente Graça Foster omitiu, em depoimento à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que investiga irregularidades na estatal, a informação de recebimento de propina por funcionários da estatal por uma fabricante holandesa de plataformas, a SBM Offshore. Segundo a nota, Foster obedeceu à imposição do Ministério Público Federal de manter o sigilo. As informações são da Folha de S.Paulo.
Caça ao tesouro
De acordo com o Correio Braziliense, procuradores da força-tarefa da operação lava jato embarcam para a Suíça na segunda-feira em busca de parte do dinheiro desviado da Petrobras. Eles querem trazer de volta ao país R$ 23 milhões de uma conta do ex-diretor de abastecimento Paulo Roberto Costa, que afirma ter recebido os recursos da empreiteira Odebrecht, embora a construtora negue.
Levou calote
O lobista Fernando Baiano, apontado como lobista do PMDB e intermediário nos acordos da Petrobras, deveria ter recebido US$ 20 milhões por dois contratos. Segundo O Estado de S. Paulo, foi o próprio Baiano quem afirmou que intermediou dois projetos de construção de sondas de perfuração na área da diretoria internacional. Segundo o jornal o valor seria pago pela empreiteira Toyo Setal, mas ele teria levado um calote. A Polícia Federal suspeita que o reduto de atuação Baiano na Petrobras era a diretoria internacional, comandada por Nestor Cerveró.
Alta comissão
Reportagem do jornal O Globo afirma que o ex-gerente da diretoria de serviços da Petrobras, Pedro Barusco, confessou ter recebido mais de US$ 100 milhões na intermediação de contratos entre grandes empresas e a estatal e que já participa do esquema de recebimento de propina há 18 anos. A confissão foi feita em depoimento à Polícia Federal em Curitiba. Ele firmou acordo de delação premiada, se comprometendo não só a colaborar com as investigações, mas também a devolver a quantia recebida indevidamente nos ultimo anos.
Correção monetária
A Câmara dos Deputados decidiu ignorar o Supremo Tribunal Federal, que determinou o corte de remuneração acima do teto, e autorizou rendimentos superiores a R$ 29,4 mil por mês a servidores. O Estado de Minas apurou que o presidente da casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), liberou o pagamento dos super-salários no contracheque de novembro com direito até o retroativo pelo que os funcionários deixaram de receber no mês anterior. O presidente alega que acatou o recurso da Associação dos Consultores Legislativos e de Orçamento da Câmara (Aslegis) à Casa.
Superfaturamento
Segundo o Jornal do Commercio, o Tribunal de Contas da União (TCU) julgou um processo que aponta superfaturamento de R$ 42 milhões em trechos de obras de transposição do rio São Francisco, montante que representa 4,7% do orçamento de R$ 895 milhões do projeto. A obra trata da construção de um canal de 112,5 quilômetros de extensão, que cruzará 13 cidades da Paraíba.
Novos ares
A Polícia Militar da Bahia pode passar por uma mudança em breve. Foi aprovada, na Assembleia Legislativa, a Lei de Organização Básica da Polícia Militar da Bahia, que trata de sua reestruturação. Ela será submetida à apreciação do governador Jaques Wagner e a expectativa é que as alterações tratem de promoções no quadro e a criação dos departamentos de Promoção Social e Polícia Comunitária, de acordo com o jornal A Tarde.
Escravidão no interior
A Justiça Federal em Bauru condenou dois empresários denunciados pelo Ministério Público Federal por aliciarem e tratarem em situação análoga à escravidão 21 pessoas na zona rural de Pratânia (SP) que trabalhavam na colocação de frangos em gaiolas para o transporte até frigoríficos. Segundo a Folha de S.Paulo, eles  atraíam os trabalhadores no interior de Sergipe com promessas de bons salários, alimentação e moradia, mas o que os trabalhadores encontravam eram jornadas exaustivas e condições degradantes de trabalho.

Leia mais: http://www.conjur.com.br/2014-nov-22/noticias-justica-direito-jornais

Procurador pede que empreiteiras sejam declaradas inidôneas

Procurador pede que empreiteiras sejam declaradas inidôneas


O procurador de Contas Júlio Marcelo de Oliveira pediu no Tribunal de Contas da União que oito das principais empresas de construção civil do Brasil sejam declaradas inidôneas, o que as impediria de licitar ou contratar órgãos da administração pública federal por cinco anos, conforme noticiou aFolha de S.Paulo.
O requerimento foi feito nesta sexta-feira (21/11) e endereçado ao ministro Augusto Sherman, responsável pelos casos relativos à Petrobras no tribunal. Nele, Oliveira pede que a estatal petroleira abra um procedimento administrativo interno em no máximo 30 dias para declarar a inidoneidade das empreiteiras Queiroz Galvão, Mendes Júnior Trading Engenharia, Engevix Engenharia, Iesa Engenharia, Galvão Engenharia, Grupo Camargo Corrêa, UTC Engenharia e Grupo OAS, envolvidas na operação "lava jato".
O procurador escreveu que há provas significativas contra as empreiteiras e seus dirigentes para investigar supostos desvios de recursos da Petrobras e pagamentos a agentes públicos em troca de contratos.
No mesmo dia, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, defendeu que as empreiteiras sejam “sanadas” de forma a não prejudicar a econômica brasileira. Para ele, os corruptos devem ser punidos, mas a economia não pode ser atingida: “Não podemos, a partir de suposições, ilações ou indício, tirar conclusões definitivas. Mas, havendo a demonstração de ilícitos, que se puna. Mas temos que ter uma política que também favoreça às empresas, [de modo a que] sejam sanadas, como acontece em todo o mundo”, declarou.
Segundo ele, o Brasil tem legislação que permite fazer esse saneamento, ao mesmo tempo em que garante a punição dos envolvidos. Para o ministro, operações que expõem a corrupção — como a "lava jato" — também têm grande efeito “conscientizador” na sociedade,  o que faz com que as pessoas reajam contra os erros de agentes públicos.
O procurador Júlio Oliveira, que pediu não acredita que impedir as maiores empreiteiras do país de contratarem com o poder público possa parar o Brasil: “Um mercado maduro, com tantos ‘players’ qualificados, como é o mercado de obras civis no Brasil, tem toda a condição de rapidamente se reestruturar e realizar as obras que eventualmente sejam paralisadas. Todas [as empresas] devem estar sujeitas às mesmas leis, seguir as mesmas regras. Não podemos aceitar a existência de empresas ‘grandes demais para serem punidas’”, escreveu. Com informações da Agência Brasil.

Educadora receberá apenas diferença como horas extras de intervalo

Educadora receberá apenas diferença como horas extras de intervalo

O intervalo intrajornada foi pactuado em duas horas, mas o intervalo mínimo previsto em lei é de uma hora, para trabalhos contínuos, de duração excedente a seis horas. Sendo assim, somente a não concessão do intervalo intrajornada mínimo implica pagamento total do período correspondente como hora extra. Assim entendeu a 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, ao rejeitar o pedido de uma agente educadora da Fundação de Proteção Especial do Rio Grande do Sul, que pretendia receber as duas horas de intervalo interjornada previstas em contrato. 
Acontece que, por contrato, a educadora tinha intervalo intrajornada de duas horas, mas, na prática, apenas usufruía 15 minutos em média. Para a turma, ele só deve receber, como hora extra, uma hora e 45 minutos diários com o adicional de 50%.
Relator do caso, o ministro Lelio Bentes Côrrea explicou que, apesar de não haver dúvida quanto ao intervalo intrajornada ter sido pactuado em duas horas, o intervalo mínimo previsto em lei é de uma hora, conforme o artigo 71, parágrafo 4º, da Consolidação das Leis do Trabalho, para trabalhos contínuos, de duração excedente a seis horas.
Segundo ele, o entendimento no TST é o de que a não concessão do intervalo intrajornada mínimo implica pagamento total do período correspondente como hora extra. O acórdão regional, segundo o relator, foi mais benéfico à trabalhadora do que a jurisprudência do TST, ao condenar a empregadora a remunerar, como trabalho extraordinário, uma hora e 45 minutos.
O juízo da 14ª Vara do Trabalho de Porto Alegre (RS) condenou a fundação ao pagamento da diferença do intervalo a título de hora extra a cada jornada das 19h às 24h e das 2h à 7h, com base em documentos que provavam a contratação de intervalo de duas horas e no depoimento de testemunha segundo o qual no local de trabalho, um abrigo de crianças, não era possível que o intervalo fosse usufruído na totalidade, devido ao número de crianças (15). Com informações da Assessoria de Imprensa do TST. 
RR - 349-08.2012.5.04.0014

Brasil deve aumentar transparência para melhorar serviços públicos

Brasil deve aumentar transparência para melhorar serviços públicos

Pesquisadores do Programa de Transparência Pública da FGV EBAPE e do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV DIREITO RIO revelaram os resultados de uma grande avaliação de transparência realizada em todos os poderes de 8 diferentes entes federativos: União, Distrito Federal, os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e as respectivas capitais.
O projeto tinha como objetivo avaliar o grau de cumprimento de diferentes órgãos públicos com a Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) e, para tanto, os pesquisadores enviaram mais de 450 pedidos de acesso à informação no período de março a junho deste ano.
Os resultados obtidos suscitam uma pergunta importante: será que o Brasil é mais transparente aos olhos da comunidade internacional do que o país de fato é para os brasileiros?
O Brasil é reconhecido internacionalmente em relação à transparência pública, inclusive com o recebimento prêmios do Banco Mundial. Além disso, o país figura constantemente em excelentes posições nos rankings de transparência elaborados por organizações internacionais. Exemplificativamente, o Brasil está na nona posição na lista Resource Governance Index e na décima segunda posição no Open Budget Index, ambos rankings internacionalmente utilizados para medir a qualidade da política de transparência de um país.
Os resultados obtidos nas avaliações da FGV EBAPE e do CTS/FGV DIREITO RIO, entretanto, refletem as grandes diferenças e variações regionais que ainda existem em relação à adoção de boas políticas de transparência no Brasil. O governo Federal, por exemplo, obteve o melhor resultado, com cerca de 88% de todos os pedidos enviados pelos pesquisadores respondidos e, deste total, 78% respondido de forma precisa. 
Apesar da importância dos resultados no nível federal, é inegável que a maior parte da interação entre o cidadão e órgãos públicos ocorre, principalmente, no nível local, com os governos estaduais e municipais.
Neste sentido, a pesquisa sugere que os cidadãos do Estado e do Município do Rio de Janeiro encontrarão dificuldades para obter informações públicas. Afinal, os resultados da pesquisa mostram a prefeitura e o Governo estadual respondem a poucos pedidos de acesso e raramente de maneira precisa.
De todos os pedidos enviados para o Governo do Estado, apenas 34% foi respondido, com uma taxa de apenas 18% de respostas precisas, ao passo que na capital carioca os resultados foram ainda piores, uma vez que apenas 23% dos pedidos foram respondidos, com taxa de precisão de 9% do total de pedidos.
Diante deste cenário, voltamos à pergunta proposta acima: o Brasil é de fato tão transparente quanto o mundo pensa que ele é? Os resultados da pesquisa da pesquisa mostram que alguns governos são razoavelmente transparentes, ao passo que outros são consideravelmente opacos.
De todo modo, se o Brasil quer, de uma vez por todas, se tornar o ‘país do futuro’, é fundamental que a Lei de Acesso à Informação seja cumprida, uma vez que a lei representa uma poderosa ferramenta para proporcionar a profissionalização e o ganho de eficiência na administração pública.
Rafael Velasco é advogado, pesquisador e coordenador do Programa de Transparência Pública da FGV EBAPE.
Gregory Michener é Professor Adjunto da Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas e Diretor do Programa de Transparência Pública da FGV EBAPE.

Faculdades de Direito americanas entram no mundo da moda

Faculdades de Direito americanas entram no mundo da moda

 Dizem os gurus do mundo dos negócios que tempos de crise trazem lamentações, para alguns, e visão de oportunidades, para outros. Muitas faculdades de Direito americanas aproveitaram bem a crise econômica que estourou em 2008: em meio a tanto desemprego, criaram cursos de especialização, para ajudar advogados a espantar a crise. Os cursos de especialização mais bem-sucedidos foram, provavelmente, o de Direito Desportivo e do Direito do Entretenimento. Um tanto atrasados, os cursos de Direito da Moda (Fashion Law ou Droit du Luxe) começam a também se popularizar nos EUA.
“A advocacia precisa entrar na moda”, é um clichê muito ouvido ultimamente, diz o reitor da Faculdade de Direito Loyola, Victor Gold. A “Loyola”, assim chamada em homenagem a Santo Inácio de Loyola, fundador dos jesuítas, faz parte de um pequeno grupo de apenas cinco faculdades de Direito — entre as 204 credenciadas pela American Bar Association (ABA) — a criar cursos de especialização em Fashion Law nos últimos anos.
No Brasil, o Direito da Moda não é novidade, como publicado na Conjur[1]. Nos EUA tampouco. Mas, nos dois países, faltam legislação e jurisprudências próprias para a moda. E são poucos os escritórios que criaram um departamento de Direito da Moda. Nos EUA, a única banca que, ao que se tem notícia, entrou para valer nesse novo nicho de mercado foi a Gibson, Dunn and Crutcher. O escritório montou uma equipe de 80 advogados especializados nessa área específica.
As bancas resistiram a entrar nesse mercado por tanto tempo, porque os advogados americanos, tal como os ingleses, consideram o mundo da moda “muito frívolo”, de acordo com a publicação Business Insider e a agência Reuters. “Meus chefes sempre me diziam que não há dinheiro na moda e que eu deveria me manter na área bancária ou na de energia. Mas há fortunas monstruosas”, disse aos jornais a advogada Annabelle Gauberti, que pediu demissão e se especializou, como ela diz, em Direito do Luxo, na área da alta costura.
Na verdade, a moda de luxo é, realmente, um mercado bilionário, com indicações de que se tornará trilionário em pouco tempo. Atualmente, esse mercado está avaliado em 985 bilhões de dólares, de acordo com o Boston Consulting Group. Deverá valer 1,18 trilhão de dólares até 2020. Uma maneira de prosperar, em qualquer economia, é observar o clichê: “Siga o dinheiro”.
O mercado também está se abrindo para assessores jurídicos, empregados por “casas da moda” (as fashion houses). Segundo a assessora jurídica da Stuart Weitzman, Barbara Kolsun, que já foi assessora da Kate Spade e da 7 For All Mankind, as casas de moda estão criando ou expandindo seus departamentos jurídicos nos últimos cinco anos. Ela contrata estudantes do Direito da Moda que querem fazer estágio na empresa e eles saem de lá contratados por empresas como Coach e Burberry.
A Faculdade de Direito Fordham, na Cidade de Nova York, foi a primeira nos EUA a criar um curso de especialização em moda. Mas advertiu que o curso só seria realmente implantado, se pelo menos três estudantes se matriculassem. Hoje, é parte do currículo da faculdade, que passou a ser progressivamente imitada por concorrentes. “É um lugar em que as faculdades de Direito precisam estar”, justificou o reitor da “Loyola”, uma das primeiras a seguir o exemplo.
“Há muito que os advogados podem fazer para proteger a frágil ilusão de exclusividade do setor de alta moda contra a comercialização em massa e a “diluição de marca”. E processar concorrentes não é a única ação”, diz o advogado e professor universitário Charles Colman. “O mundo da moda tem de se reinventar a cada estação. Os advogados têm de acompanhar”, diz a advogada Ali Grace Marquart.
“Em alguns casos, existem pontos de contato entre os mundos da moda, do entretenimento, dos esportes e da tecnologia — o último, graças ao crescimento do comércio eletrônico, das redes sociais e dos smartphones”, diz o advogado Lois Herzeca. “Quando esses mundos se fundem, o trabalho se torna muito mais interessante”, afirma.
João Ozorio de Melo[2] é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.

References

  1. ^ publicado na Conjur (www.conjur.com.br)
  2. ^ João Ozorio de Melo (www.conjur.com.br)

Quais funções um Tribunal Constitucional deve desempenhar?

Quais funções um Tribunal Constitucional deve desempenhar?

 A reeleição da presidenta Dilma Rousseff e a constatação de que em seu segundo mandato ela terá a oportunidade fazer mais cinco nomeações para o Supremo Tribunal Federal (STF) motivaram uma discussão pública sobre o atual modelo brasileiro de escolha de ministros.
Nesse debate o tema principal foi o risco da eventual cooptação do STF por um único partido político. Ao que se contrapôs, em minha opinião justamente, que:
(i) as garantias constitucionais da magistratura permitem a independência dos ministros de quem quer que os tenha nomeado – algo que pode ser constatado na prática recente do Tribunal;
(ii) em nosso modelo de separação de poderes a confirmação pelo Senado é o mecanismo institucional limitador da escolha presidencial;
(iii) tal prerrogativa presidencial é consequência de sua eleição direta por sufrágio universal e, portanto, tão legitimada pelo voto quanto quaisquer outros poderes que o cargo lhe atribua.
Tais contrapontos me parecem mais do que suficientes para rebater as críticas realizadas e, portanto, não se trata aqui de insistir neste tema.
Há, no entanto, uma questão geral que é suscitada por essa discussão, e que acredito merecer uma discussão mais detalhada: Para que serve um Tribunal Constitucional?
Essa pergunta fundamental é indissociável de discussões sobre como desenhar um mecanismo de seleção de ministros porque não existe modelo adequado em abstrato. Todo e qualquer modelo será mais ou menos adequado (i) paraalgum fim específico e (i) em alguma situação concreta.
A resposta automática de muitos provavelmente seria: “para guardar a Constituição”. Mas tal resposta é insatisfatória para o nosso objetivo, porque há que se esclarecer de quem se quer protegê-la, e em nome de que se invoca essa autoridade.
Quanto a isso há propostas distintas, porque diversas são as teorias democráticas que embasam o constitucionalismo moderno e porque diversas são as teorias constitucionais que o justificam.
I. Diferentes fins
Nesse sentido, é importante ter em mente que, se perguntássemos a cada uma das mais proeminentes teorias constitucionais: Para que especificamenteserve um Tribunal Constitucional? Ou seja: Qual o problema que Tribunais Constitucionais são capazes de legitimamente resolver? Diversas seriam as respostas recebidas.
Existe uma diferença enorme entre imaginar que a função de um Tribunal Constitucional seja (i) evitar que um governo detentor de uma maioria ocasional seja capaz de alterar decisões tomadas por uma maioria anterior; (ii) evitar  que representantes eleitos, agindo de maneira imediatista, ameacem direitos constitucionais em nome de uma vitória nas próximas eleições; (iii) evitar que representantes eleitos influenciem o processo eleitoral de maneira a garantir sua perpetuação no poder; (iv) evitar que maiorias políticas oprimam minorias, as quais são incapazes, por definição, de garantirem seus interesses em um processo político majoritário.
Na primeira dessas hipóteses, a função do Tribunal Constitucional é preservar decisões políticas tomadas por uma maioria dos cidadãos (a Constituição), de uma maioria legislativa que, no entanto, por motivos de desenho institucional do próprio sistema eleitoral, não representa substantivamente a vontade da maioria.
Nesse sentido, a função do Tribunal Constitucional é majoritária. Sua função, em termos mais abstratos, é proteger o “povo” de seu “governo”, vetando decisões de uma maioria legislativa em nome de decisões superiores do “povo soberano”[1]
Nesse caso, o veto de um Tribunal Constitucional é funcionalmente similar ao veto presidencial por motivo de inconstitucionalidade. Em ambos os casos uma instituição independente limita o poder de uma maioria legislativa em nome de sua capacidade de melhor representar a vontade popular.
Na segunda hipótese, a função do Tribunal Constitucional é proteger o processo eleitoral dos políticos eleitos[2]. Há aqui dois tipos diferentes de problema, um diz respeito a maiorias eventuais mudarem as regras do jogo para se perpetuar no poder (agindo contrariamente aos interesses de políticos sem mandato e de políticos com mandato, mas oposicionistas); o outro diz respeito a políticos eleitos em geral (governistas e oposicionistas) mudarem as regras do jogo de forma a dificultar a eleição daqueles que não exerçam atualmente um mandato político.
Nesse sentido, a função do Tribunal Constitucional também é majoritária. Sua função, em termos mais abstratos, é proteger o “sistema político” dos próprios “políticos”. Ou seja, garantir que o processo eleitoral seja capaz de efetivamente representar a vontade da maioria.
Nesse caso, o veto do Tribunal Constitucional é funcionalmente similar ao poder de veto de uma minoria parlamentar – em casos em que se exige super-maiorias para alterar o processo legislativo; ou ao poder de uma Comissão Eleitoral independente de controlar o próprio processo legislativo.
Na terceira hipótese, a função do Tribunal Constitucional é proteger maiorias políticas de si mesmas. Maiorias legislativas, cientes dos incentivos perniciosos existentes no sistema eleitoral para que legisladores se comportem de maneira imediatista, pondo assim em risco valores fundamentais ou objetivos de longo prazo, teriam criado mecanismos para limitar a si mesmas.
Nesse sentido, a função do Tribunal Constitucional também é, em certo sentido, majoritária e, em certo sentido, contra-majoritária. Sua função, em termos mais abstratos, é proteger o “povo” de si mesmo, vetando decisões de uma maioria legislativa em nome de auto-limitações desenhadas para preservar interesses superiores dessa mesma maioria. Ou, em termos metafóricos, sua função aqui é proteger Ulisses do canto das sereias[3].
Nesse caso, o veto de um Tribunal Constitucional é funcionalmente similar ao veto de uma segunda câmara legislativa, eleita de maneira independente da primeira (como, por exemplo, o Senado)[4]. Em ambos os casos uma instituição composta por membros proeminentes da comunidade política e independente dos perigosos estímulos eleitorais imediatistas limita uma maioria legislativa em nome de sua maior “sobriedade”.[5]
Na quarta hipótese, a função do Tribunal Constitucional é proteger minorias (étnicas, de gênero, sexuais, religiosas, regionais, linguísticas etc.) de maiorias políticas.[6] Nesse caso não há dúvidas sobre a capacidade do sistema eleitoral representar adequadamente a vontade da maioria dos eleitores. A questão é outra. Se trata de estabelecer limites para o que tais maiorias podem legitimamente fazer.
Nesse sentido, a função do Tribunal Constitucional é propriamente contra-majoritária. Sua função, em termos mais abstratos, é legitimada por uma teoria democrática que não se limita à “regra da maioria”. Não se trata – como nos casos anteriores – de garantir que vontade majoritária se expresse substantivamente, mas sim de efetivar uma concepção de democracia que inclui limites substantivos ao poder majoritário.
Nesse caso, o veto do Tribunal Constitucional é similar ao poder de veto de uma minoria legislativa; seja o veto de uma minoria de senadores – quando esses são representantes de minorias regionalmente concentradas em unidades federativas; seja o veto de uma minoria de parlamentares – quando se exige super-maiorias legislativas para aprovar legislação que afete certos interesses minoritários.
É importante ter em mente que não se trata aqui simplesmente de um debate abstrato entre diferentes constitucionalistas e teóricos da democracia. Essas diversas concepções sobre a função precípua de um Tribunal Constitucional se materializam em escolhas políticas distintas quanto ao desenho institucional das diferentes democracias constitucionais em existência.
Assim, conforme já dito acima, diferentes modelos quanto à nomeação de ministros para Tribunais Constitucionais serão mais ou menos adequados para algum desses diversos fins específicos, dependendo também das diversas situações concretas.
II. Diferentes situações
Uma opinião concreta sobre a adequação dos diferentes métodos de nomeação de membros de Tribunais Constitucionais depende da resposta de duas perguntas: (i)  O que se quer desse Tribunal? (ii) Em que ambiente institucional ele deverá funcionar?
Em relação a essa segunda pergunta, é preciso considerar: (a) Quais os defeitos que diferentes desenhos institucionais apresentam, e de que maneira um Tribunal Constitucional pode minimizá-los; (b) Se há outros mecanismos institucionais com funções semelhantes àquelas desempenhadas pelo Tribunal Constitucional, e de que maneira um Tribunal as complementa ou prejudica.
Assim, como o Tribunal Constitucional representa um ponto de veto no sistema político é importante ter em mente como ele se relaciona com outros pontos de veto existentes. Conforme já explicado, considerando-se outros mecanismos institucionais capazes de desempenhar funções análogas à cada uma das quatro potenciais funções de um Tribunal Constitucional descritas acima, a existência de um desses outros mecanismos deve ser levada em conta.
Isso porque, diante de um outro instrumento que realize uma dessas funções eficientemente, pode-se considerar desnecessário que um Tribunal Constitucional realize essa mesma função. E mesmo que se considere necessário a existência de dois vetos independentes relativos ao mesmo objetivo, sua existência torna fundamental considerar como um poderá afetar o funcionamento do outro.
Em termos mais concretos, a função de um Tribunal Constitucional pode ser diferente em um Estado unitário com um sistema parlamentarista unicameral – em que o Tribunal seja talvez o único ponto de veto no sistema –, do que em um Estado federado com um sistema presidencialista bicameral com um Senado forte – em que o Tribunal é mais um ponto de veto dentre outros existentes.
Além disso, ainda em relação à influência de situações concretas nas decisões relativas ao desenho institucional de um Tribunal Constitucional, sendo ele geralmente composto por representantes da cultura jurídica de um país, é essencial considerar qual o seu estado real.
Assim, caso se imagine que o Tribunal será composto por representantes da academia, do judiciário, da advocacia privada, da advocacia pública e/ou do ministério público,  é essencial considerar as efetivas características de cada um desses grupos em um determinado país, tanto quanto a sua formação, quanto ao seu comprometimento com a ordem constitucional vigente. E, diante desse diagnóstico, desenhar mecanismos capazes de selecionar os elementos mais adequados para realizar uma ou mais das diferentes funções constitucionais detalhadas acima.
III. Mecanismos de seleção
Apenas após todas as considerações “funcionais” e “situacionais” já tecidas, é possível passar a efetivamente discutir com propriedade os diversos mecanismos para a nomeação de membros de Tribunais Constitucionais.
Quanto a isso, o importante é perceber que, qualquer que seja o processo escolhido, há sempre, independente da função precípuo de um Tribunal Constitucional e do ambiente institucional em que ele se localiza, uma tensão entre mecanismos institucionais que possibilitem o isolamento do Tribunal em relação ao sistema político, e mecanismos institucionais que possibilitem uma maior permeabilidade do Tribunal em relação ao sistema político. São os tipos de mecanismos e o balanço entre mecanismos desses dois tipos que podem ser mais ou menos adequados às funções e às realidades institucionais em questão.
De maneira geral, conforme Tom Ginsburg[7][1], os diferentes mecanismos de nomeação podem ser classificados como: (i) cooperativos, (ii) representativos, (iii) ou profissionais.
Mecanismos de nomeação “cooperativos” requerem a participação de duas (ou mais) instituições diferentes. De tal forma, utilizam-se os freios e contrapesos presentes em um sistema de separação de poderes para evitar que uma maioria política eventual que tenha sido capaz de capturar apenas uma das diferentes instituições seja capaz de determinar individualmente a composição do Tribunal Constitucional.
Esse é, por exemplo, o modelo adotado pelos Estados Unidos (no qual o sistema Brasileiro se baseou), em que a nomeação cabe ao presidente, mas depende de aprovação do Senado Federal. Importante notar que, nessa caso específico, em vista da função de representação federativa do Senado, há ainda uma potencial influência desse outro fator na nomeação.
Mecanismos de nomeação “representativos” atribuem a diversas instituições o poder de nomear alguns membros do Tribunal Constitucional. Nesse caso, em vez de utilizar a separação de poderes para garantir que um membro seja aceitável por mais de uma instituição política, o que se faz é permitir que cada uma delas tenha total autonomia para indicar um ou mais membros que “representem” seus interesses.
Esse é, por exemplo, o modelo adotado na Itália, em que um terço do Tribunal Constitucional é nomeado pelo presidente da república, um terço pelo parlamento e um terço pela magistratura. Uma outra variação desse modelo é adotado pela Alemanha, em que cada uma das duas câmaras legislativas nomeia metade dos membros do Tribunal. Nesse segundo caso, a exigência de super-maioria para a nomeação levou, no entanto, a uma dinâmica em que, de fato, cada um dos principais partidos políticos nomeia alternadamente um membro do Tribunal.
Quanto a isso, mecanismos de nomeação que exijam super-maiorias legislativas tendem a evitar candidatos mais radicais, uma vez que permitem que a oposição tenha um poder de veto sobre a nomeação[8]. Além disso, tendo em vista a possibilidade de minorias parlamentares representarem minorias (étnicas, de gênero, sexuais, religiosas, regionais, linguísticas etc.), há aí a possibilidade de que esses grupos tenham maior influência na escolha dos membros do Tribunal.
Por fim, mecanismos de nomeação “profissionais” permitem que o próprio judiciário nomeie os membros do Tribunal Constitucional. Assim, os valores privilegiados são o profissionalismo jurídico e o isolamento completo do sistema político. Nesse caso, o mecanismo de controle político seria apenas a ameaça de que, caso os nomeados sejam particularmente polêmicos ou incompetentes, o Legislativo e o Executivo poderiam usar seus poderes para alterar o modelo de nomeação.
Esse é, por exemplo, o modelo adotado pela Índia desde o julgamento de Supreme Court Advocates-on Record Association vs. Union of India (1993) (“the Second Judges Case”), em que se decidiu que a indicação feita pelo Tribunal (realizada atualmente pelo presidente da corte e os quatro membros mais antigos) ao presidente do país o vincula, tornando-o meramente um chancelador da nomeação.
Mecanismos “profissionais” de nomeação tendem a ser criticados pelo seu corporativismo e seu exagerado isolamento do sistema democrático. Exatamente por esse motivo o atual governo Indiano propôs uma reforma do atual sistema, que será substituído por um  comissão de seis membros, formada pelo presidente e dois outros ministros do Tribunal, duas personalidades eminentes, e o ministro da justiça[9].
De tal forma, os diversos mecanismos “cooperativos”, “representativos” e “profissionais” de nomeação ilustram concretamente a afirmação de que não existe um modelo adequado em abstrato, mas apenas modelos mais ou menos adequados paraalgum fim específico, em alguma situação concreta.
Por fim, é importante salientar que há muito a ser aprendido sobre uma ordem constitucional fazendo-se o caminho inverso: partindo-se do mecanismo de seleção existente, para se chegar a uma concepção sobre qual a função específica de um Tribunal Constitucional.
Uma vez que escolhas sobre mecanismos de composição de Tribunais Constitucionais não são escolhas triviais, mas decisões políticas conscientes, uma analise dos prós e contras de um determinado mecanismo escolhido por uma determinada Constituição tem muito a revelar sobre quais eram os males que os constituintes pretendiam evitar, e qual a função política por eles atribuída ao Tribunal Constitucional.
Assim, diante das diversas propostas de revisão desse mecanismo que aparecem de tempos em tempos, é importante considerar: em nome de que interesses elas são realizadas e se elas não trazem consigo mudanças fundamentais na própria capacidade do Tribunal desempenhar as funções para a qual ele foi criado.
Esta coluna é produzida pelos membros do Conselho Editorial do Observatório da Jurisdição Constitucional (OJC), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Acesse o portal do OJC (www.idp.edu.br/observatorio).[2]

[1] Bruce Ackerman, We the People: Foundations(1991).
[2] John Hart Ely, Democracy and Distrust: A Theory of Judicial Review (1980).
[3] Famosa metáfora explorada com profundidade em John Elster, Ulysses Unbound(2000).
[4] Importante notar que, em uma federação, o Senado também pode ter a função de representar interesses das unidades federativas.
[5] Sobre a idéia de um “sober second thought”, ver Alexander Bickel, The Least Dangerous Branch: The Supreme Court at the Bar of Politics (1962), p. 26.
[6] Uma idéia já presente em Alexis de Tocqueville, De la démocratie en Amérique (1835).
[7] Tom Ginsburg, Judicial Review in New Democracies: Constitutional Courts in Asian Cases (2003), pp. 42-49.
[8] Dennis C. Mueller, Constitutional Democracy (1996), p. 281.
[9] “Six-member National Judicial Commission to select judges for higher courts” (http://www.thehindu.com/news/national/sixmember-national-judicial-commission-to-select-judges-for-higher-courts/article6313474.ece?ref=relatedNews).
Thomaz H. Junqueira de A. Pereira[3] é doutorando e mestre em Direito pela Yale Law School; mestre em Direito Empresarial pela PUC-SP; mestre em Direito Processual Civil e bacharel em Direito pela USP.

References

  1. ^ ] (www.conjur.com.br)
  2. ^ www.idp.edu.br/observatorio (www.idp.edu.br)
  3. ^ Thomaz H. Junqueira de A. Pereira (www.conjur.com.br)

Por que alguns juízes precisam se sentir deuses e a inspiração laica

Por que alguns juízes precisam se sentir deuses e a inspiração laica

 A teoria do Direito contemporâneo criou metáforas para entender a figura do juiz. Quais são elas? François Ost aponta as metáforas de Júpiter, Hércules e Hermes: os três modelos de juízes (leia a coluna Complexo de MacGyver e os modelos de juiz[1]), reiterado por diversas teorias atuais, dentre elas a de Dworkin. Subliminarmente assumem o lugar de deuses, mesmo que por metáfora.  
Daí que é necessário levar a sério o convite formulado por Jacinto Coutinho (A lide no processo penal) para que a psicanálise penetre “definitivamente no processo penal para cumprir uma missão fundamental”. Esse ir ao encontro do um-juiz humano, portador de uma subjetividade que opera dentro da Instituição, para encontrar emoções, desejos, complexos, é um caminho rumo à democratização do ato decisório. Cuida-se de reconhecer a influência do inconsciente do um-julgador no momento do ato decisório, uma vez que, diz Coutinho “não tem sentido manter uma venda nos olhos para fazer de conta que o problema não existe.”
Então, para aproximar os discursos, é preciso desvelar que a eterna luta entre o bem e o mal ainda perdura, sendo pano de fundo inconsciente das práticas penais, cuja abjuração não é, definitivamente, simples, principalmente pelo locus que a Instituição aponta ao um-juiz, portador da palavra Divina, um semideus. Não foi à toa que Pierre Legendre (O Amor do censor) afirmou que procurar adentrar nessa seara é uma atividade clandestina, subversiva do lugar-tenente, justamente por querer discutir até que ponto a consciência plena e objetiva se sustenta, isto é, discutir a legitimidade do mandatário do Outro. Acensura– o silêncio– sempre foi e é a palavra de ordem. Afinal, a Instituição precisa realimentar o lugar.
Não se trata de ostentação do lugar do juiz, a saber, de se identificar ou não como divindade. A questão é do imaginário coletivo sobre o fundamento do exercício do poder. E talvez o melhor exemplo dessa linhagem divina, ainda incrustada no inconsciente de parcela dos julgadores, seja a do juiz espanhol Eduardo Rodrígues Cano que julgou Jesus Cristo[1]. Magistrado da Audiência Provincial de Granada, Cano, em 21 de março de 1990, proferiu decisão analisando a constitucionalidade do julgamento de Jesus Cristo, ocorrido no ano 33. Assim é que, julgando a causa de Jesus, o NazarenoFilho de Deus(como se referia ao então acusado), após narrar a vida do cordeiro de Deus, desde o seu nascimento em Belém, reconheceu, por fim, que o procedimento adotado não respeitou a condição humana do acusado. Confessou aos jornalistas que havia ditado a sentença como se fosse uma oração, como um ato de amor em uma sociedade desumanizada. Considerou-se um blasfemo por não ser apto a julgar Jesus Cristo, embora tenha feito, dizendo que sua intenção era a de reconhecer que Jesus não teve um processo justo e queria, com ela, dar uma lição aos que o julgaram. Anote-se que, por evidente, todos já falecidos, enterrados.
Só faltaram, depois, os delírios de perseguição e a formulação de uma nova raça, como queria o também magistrado Schreber, copulando com Deus[2]. Freud analisou, a partir do livro de memórias do próprio Schreber, as particularidades de sua paranoia[3]. Lacan retomou essa discussão[4], partindo dos dados existentes, segundo os quais, após um delírio hipocondríaco, inicia-se uma crise de estafa irrompida pela nomeação para o cargo de Presidente do Tribunal de Apelação de Leipzig e o desgosto de não ter um filho. A esses fatos seguiram-se diversas internações. Destacando a importância do médico, Dr. Flechsig (apressando o passo aqui nesse escrito), Lacan aponta que os raios divinos são a evidência de que neste caso de delírio avançado se encontra uma, “verdade que lá não está escondida, como acontece nas neuroses, mas realmente explicitada, e quase teorizada”. É importante perceber que entre a primeira crise e a segunda decorreram oito anos em que Schreber exerceu normalmente as funções de juiz, mas a assunção ao cargo de Presidente lhe fez desenrolar o delírio.
Não se precisa ir mais longe. Com o relato desse delírio é possível perceber claramente que o trilhamento do Complexo de Édipo, os significantes constitutivos do aparelho psíquico, influenciam o um-juiz durante toda a sua existência, sem que se possa dissociar o juiz de seu (in)consciente. Durante o período que proferiu decisões no Tribunal em Leipzig, por óbvio, sua construção apareceu nas decisões por ele proferidas.
Em terra tupiniquim, por certo, os Schrebers e outras singularidades, idiossincrasias, existem, mas o lugar encontra-se censuradoem nome da objetividade, neutralidade. De qualquer forma, correndo-se o risco de cometer pecado de pensar este lugar, cumpre reconhecer que mesmo que o Estado tenha se separado da Igreja, a estrutura de fazer amar o censor ainda é, na base, a mesma, bem como a prática de adestramento. Tanto assim que Bueno de Carvalho (O juiz e ajurisprudência) aponta essa lógica divina: “Quando o julgador fala de si mesmo emerge discurso efetivamente alienado dando a si próprio ares de divindade. O exemplo palmar desta ótica (aqui manifestada com todo o respeito) é a ‘Prece de um Juiz’, do magistrado aposentado João Alfredo Medeiros Vieira, vertido para quinze línguas. E assim começa a prece; ‘Senhor! Eu sou o único ser na Terra a quem Tu deste uma parcela de Tua onipotência: o poder de condenar ou absolver meus semelhantes. Diante de mim as pessoas se inclinam; à minha voz acorrem, à minha palavra obedecem, ao meu mandado se entregam... Ao meu aceno as portas das prisões se fecham.... Quão pesado e terrível é o fardo que puseste em meus ombros!... E quando um dia, finalmente, eu sucumbir e já então como réu comparecer à Tua Augusta Presença para o último juízo, olha compassivo para mim. Dita, Senhor, a Tua sentença. Julga-me como um Deus. Eu julguei como homem. O texto explica-se por si só. E o que é pior: nós (juízes e povo) acreditamos na idéias do mito juiz-divindade.”
Lídia Prado (O juiz e a emoção) argumenta que diante da dificuldade do lugar de julgador, o magistrado pode tentar ser divino, a Justiça encarnada, com capacidade de ser o representante do outro. O próprio sistema de recrutamento, verdadeiro ritual de passagem, empurra o juiz para o lugar de semideus, uma vez que a realização de concurso público de provas e títulos se fundamenta muito mais na decoreba de regras jurídicas do que em qualquer outra questão, talvez mais importante, impondo o autorreconhecimento (in)consciente de que os eleitos, ou seja, os que lograram êxito no certame, são indiscutivelmente os melhores. Daí para a soberba e postura paranoica é um passo pequeno, uma investidura. Percebe-se corriqueiramente a quantidade cada vez mais crescente de candidatos aos concursos públicos, sendo aprovados somente os, em tese, mais preparados. É verdade, de outra face, que cada tribunal organiza como quiser a prova e os avaliadores possuem imensa liberdade no que perguntar, gerando, não raras vezes, perplexidade sobre o conteúdo indagado, deixando de lado qualquer subjetividade: afinal o juiz é, para eles, neutro. Somente questões objetivas importam, acreditando-se que os juízes, no fundo, precisam é decorar a lei. Argumenta Lédio Andrade (Direito ao Direito, página 36) que: “Decora-se o direito dogmático, e a aprovação é corolário. Desnecessária qualquer sensibilidade e senso de justiça social. Um desumano, de memória fotográfica, pode tirar primeiro lugar.” As entrevistas realizadas, em muitos casos, são meros rituais, dado que o candidato sabe exatamente o que deve responder, sob pena de ser barrado, como afirma José Renato Nalini: “O treino oficial para os concursos faz com que todos os candidatos ofereçam a mesma resposta: Por vocação! Por ideal! Sempre pensei em ser Juiz! Ninguém se atreveria a dizer: Preciso de emprego! Tenho família para sustentar! Preciso me casar e não tenho salário! Não dei certo na advocacia! Estou prestando todos os concursos porque a carreira pública ainda é uma boa opção num Brasil globalizado com incertezas ditadas pelos globalizantes!”[5]
De qualquer forma, a pretensão é de que os melhores na memorização, como diz Nalini, sejam acolhidos, e “aquele que foi escolhido, quando tantos haviam sido chamados e restaram inaproveitados, tende a se considerar quase gênio, aquinhoado com atributos inusitados, um ser muito especial.” O salvador está ordenado e daí em diante pode operar em nome de Deus, porque muitos serão os chamados e poucos os escolhidos.
Então aqui o narcisismo do juiz ganha mais um ingrediente. É que primeiro ocupa um lugar de portador da palavra do Outro, depois assume o papel de Inquisidor na gestão da prova, em busca da verdade real (tão bem criticada por Salah Khaled Jr), e, ainda, pela maneira como se engaja, acaba acreditando que é o escolhido, o mandatário Divino capaz de conceder — com as implicações psicanalíticas do termo — a segurança jurídica, até a aposentadoria, claro. Nesse pensar, juízes se sentem (e precisam se sentir) membros natos, guardiães da verdade ligada à certeza;substituição cartesiana que veio preencher o vazio da verdade verdadeira, mas que não rejeitou seu lugar fundante. Warat (Ofício do Mediador, página 224-225) assinala: “Nos diversos seminários de humanização da magistratura, trabalhamos os diversos efeitos perversos do lugar dos magistrados. É um lugar vivido com uma força muito especial, já que existem magistrados que vivem o lugar como se fosse o templo de alguma divindade. Este é vivido por muitos (mais do que democraticamente dever-se-ia esperar) como o Olimpo, um lugar onde pode se sentir um agregado dos deuses gregos. Eles não sabem que os templos destinados aos deuses gregos estavam sempre vazios em seu interior (inacessíveis para estranhos), nunca se encontrava nada, apenas era um culto ao inacessível. A diferença está em que os deuses gregos tinham consciência desse vazio: nossos magistrados agregados não a têm. O lugar enche os juízes de tristes arrogâncias, que se diluem na aposentadoria. Não existe maior tristeza que a de um juiz aposentado que, em toda sua vida ativa, acreditava ser agregado do Olimpo e agora, tem de passar sua inércia vital pelas gôndolas desertas de um supermercado, sendo as três da tarde um laborioso mártir”.
Nesse pensar, o Outro, por seus porta-vozes, diz mais ou menos o seguinte: “A verdade existe e pode ser conseguida no processo penal se seguido um método interpretativo próprio, conforme lhes ensinarei”. Legendre tinha razão ao vindicar o caráter messiânico dos “Juristas de Ofício”, sempre lotados das melhores das intenções, evidente.[6]. Mas como “Eles não Sabem o que Fazem” (Zizek), alienados que estão pelo que simbolicamente se erigiu em face de seu locus, fomentada desde a graduação, prestam-se a funcionar como juristas do ofício que, para os platônicos, não poderia ser nada mais digno. Com efeito, os juízes manipulam mais eficazmente na medida em que são mais manipulados sem o saber, a violência simbólica (Bourdieu) instalada de forma eficiente noinconsciente. Acreditando que ‘Dizem o Direito’ mordem a isca, e a pescaria está garantida. O poder é exercido em nome próprio, numa perfeita ‘apropriação indébita’ escamoteada, já que adverte o velho Carnelutti (A prova civil, p. 17): “A ilusão não se pode conservar mais que a condição de permanecer dentro dela. E há os que permanecem nela toda a vida. Felizes eles!”
um-juiz, todavia, é uma singularidade, não existe como sujeito abstrato e único. São diferentes no tocante ao sexo, idade, instrução, ideologia, trilhamento do Complexo de Édipo, experiências pessoais, são neuróticos, obssessivos, paranóicos, psicóticos e esquizofrênicos, capazes de em um processo, então, ao invés de julgar o acusado, estar, na verdade, diz Bueno de Carvalho, condenando “a si, mas quem vai para o presídio é o outro.” Por mais que exista no discurso consciente um processo de secularização, consistente na separação entre mala in se e mala prohibita, no qual o Estado contemporâneo se fundamenta, percebe-se matreiramente a subsistência de um condicionante simbólico-ontológico da ligação do crime com o pecado, estimulado pela Escola Positiva, pelos interesses da mídia e, contemporaneamente, pelos movimentos conservadores de repressão total.
Daí que precisamos, quem sabe, mudar as coordenadas em que colocamos a figura do juiz, dado que a própria teoria do Direito aceita as metáforas divinas para compreensão do lugar e função do magistrado. Repensar a teoria a partir da democracia de iguais é o desafio a se realizar. Enquanto isso não acontece, oremos, quem sabe com Schreber, quando dizia: “Deram-me luzes que raramente são dadas a um mortal.” Abençoado o seja.

[1] VALIENTE, Quico Tomás; PARDO, Paco. Antología del disparate judicial.Barcelona: Random House Mondadori, 2002, p. 115: “El magistrado explicó que la idea de revisar el processo contra Jesucristo desde la Audiencia Provincial de Granada se le ocurrió tras una conversación com un amigo suyo que le encargó el pregón para la cofradía de la Virgem de las Maravillas y el Cristo de la Sentencia. (...) Asseguró que no le costó mucho ‘llegar a la conclusión de que si aquel juicio se hubiera celebrado con todas las garantias (Jesucristo) hubiera sido absuelto, entre otras cosas porque sólo tuvo acusadores y nadie que le defendiera’.”
[2] SANTNER, Eric L. A Alemanha de Schreber:uma história secreta da modernidade.Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
[3] FREUD, Sigmund. Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (dementia paranoides). InObras psicológicas completas.Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996, p. 15-89, v. XII.
[4] LACAN, Jacques. O seminário: as psicoses. Trad. Aluisio Menezes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. (Livro 3), p. 30-42.
[5] NALINI, José Renato. PrefácioIn: PRADO, Lídia Reis de Almeida. O Juiz e a Emoção. Campinas: Millennium, 2003. p. XIV. 
[6] WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito: a epistemologia jurídica da modernidade..., p. 67: “Desde esta perspectiva a função intelectual é imediatamente política e a função política imediatamente sacerdotal. Recordaremos que Deus se infere do clérigo. Não como maquinação mas como sua condição de possibilidade, o pedestal ilusório do seu poder real. Todo discurso de verdade evoca uma realidade simbólica, que atua como memória coletiva (um sistema de subjetividade coletiva) no seio das relações políticas. É o sentido comum (que não é outra coisa que a subjetividade modelada pela instituição social)”.
Alexandre Morais da Rosa[2] é juiz em Santa Catarina, doutor em Direito pela UFPR e professor de Processo Penal na UFSC.

References

  1. ^ Complexo de MacGyver e os modelos de juiz (www.conjur.com.br)
  2. ^ Alexandre Morais da Rosa (www.conjur.com.br)

Supermercado deve indenizar cliente por furto em estacionamento

Supermercado deve indenizar cliente por furto em estacionamento


22 de novembro de 2014, 9h30
Supermercado é responsável por danos a veículos de clientes que ocorram em seu estacionamento. Com base nesse entendimento, a 5ª Vara Cível de Maceió condenou o Hiper Bompreço a pagar R$ 9 mil a um consumidor que teve o carro arrombado e objetos furtados em uma de suas lojas.  
Supermercado deve indenizar cliente por furto em estacionamento De acordo com os autos, o cliente foi a uma das lojas do supermercado, na capital alagoana, para fazer compras. Quando voltou ao estacionamento, percebeu que seu carro havia sido violado e que seus objetos não estavam mais lá.
Ele procurou o setor de segurança do supermercado e informou o ocorrido. Os seguranças colheram as informações necessárias, comunicaram ao supervisor e informaram que o cliente seria ressarcido.
Passados três meses, no entanto, nenhuma providência foi tomada. Por isso, o consumidor ingressou com ação na Justiça pleiteando indenização. Ao analisar o caso, a juíza condenou a empresa a pagar R$ 5 mil por danos morais e R$ 4 mil a título de reparação material. O supermercado não contestou e por isso o alegado pelo autor foi considerado verdadeiro. Com informações da Assessoria de Imprensa do TJ-AL.
Clique aqui[1] para ler a decisão.
Processo 0708774-56.2014.8.02.0001.

Compartilhar

Revista Consultor Jurídico, 22 de novembro de 2014, 9h30

References

  1. ^ aqui (s.conjur.com.br)
  2. ^ Topo da página (www.conjur.com.br)